Revista F@ro Nº 3 - Estudios

Fotografia: Contraponto entre a narração da realidade e a sua compreensão

Carlos Leonardo Recuero [1]
Universidad Católica de Pelotas
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Resumo: A invenção da fotografia, no século XIX, foi uma das maiores criações humanas, mudando a história da humanidade e proporcionando ao homem um instrumento fundamental na busca da própria identidade. A importância da fotografia é tão extraordinária que não se pode imaginar um ser, uma família, uma sociedade, mesmo as mais primitivas, que não tenha sido fotografada. A fotografia capta um momento, uma realidade presente/passado, no momento que ocorre, momento único, jamais repetido, jamais revivido. A foto é a testemunha ocular do fato, é a comprovação do ocorrido, é a existência contida na imagem. O registro fotográfico proporciona comunicação, é fator de reflexão e de questionamento, revela mil possibilidades de interpretações, ainda que num momento congelado e guardado para sempre. A foto motiva mudanças de comportamento e de pensamento, é força motriz de relacionamentos e cria empatia entre o fotógrafo e o ser fotografado. A oportunidade criada pelo curso de jornalismo proporcionou situações inusitadas e comoventes, mostrando a importância da foto em determinadas situações que foram vivenciadas pelos alunos e pessoas fotografadas. Substituir o texto pela fotografia é novidade, mas, comprovadamente pode ter sucesso, podendo ser utilizado como forma de aprendizagem e de tomada de consciência crítica para auto-avaliação.

Palavras chaves: Realidade, identificação, decodificação, Visão.

Abstract: The invention of photography, in the 19th century was one of the most important human creations, changing the human history and allowing men the fundamental instrument in search of his own identity. The importance of photography is so extraordinary that we cannot imagine a being, a family, a society, even the most primitives, that hadn't been photographed. The photography capturates a moment, a reality in the present and the past, a moment that is unique, never repeated. The photography is the eye witness of the fact, it's the proof of what happened, it's existence in the image. The photographic register allows communication, it is the key for thought and question, it reveals changes and interpretations, in a frozen moment forever. The photography motivates the change of thought and behavior, it is the strength that creates empaty between the photographer and the subject. The opportunity created by the journalism school has shaped new and strong situations showing the importance of photography in situations lived by the students and people photographed. To substitute text by photography is new, but it is succesfull as a way to learn and to create critical thought.

Keywords: Reality, identification, decodification, sight

Introdução

Muito se tem falado a respeito da fotografia, desde a sua invenção em 1839, com o surgimento do daguerreótipo até a fotografia digital dos dias de hoje. As câmaras fotográficas, os filmes, os próprios fotógrafos fizeram da fotografia uma das maiores invenções do século XIX e, talvez, da história da humanidade.

A cada dia que passa mais tenta se aprender a fazer fotografia. Aprimora-se a técnica, com a correta utilização de regras e com uma cuidadosa e elaborada forma de obtenção da imagem, onde o bom enquadramento e a composição são os elementos fundamentais para a obtenção de uma imagem perfeita.

Os avanços desta técnica e a sua integração foram de tais formas incorporadas à vida social, que o homem desde o seu nascimento até a sua morte vai se vendo cercado por imagens fotográficas e suas influências visuais, icônicas e signicas. Fotografa-se tudo e todos.

O ato de visualizar a realidade é sempre um aprendizado. O agir fotográfico é uma forma de organizar idéias e recortar do contexto real, a realidade observada, se valendo do aparelho reprodutor imagético, a câmara fotográfica.

O advento da fotografia no século XIX vai estabelecer segundo Susan Sontag “ um novo código visual ” (Sontag, 1981: p. 3), e o que Jean-Marie Schaeffer indica como “A invenção da fotografia modificou profundamente as relações que o homem mantém com o mundo...” (Schaeffer, 1996: p. 1 09), apontam para o surgimento de uma nova forma de ver o social e de se apropriar do visível através do aparato fotográfico.

A invenção do processo fotográfico vem de certa forma se justapor aos conceitos pré-existentes no que se refere aos "seres pensantes" de lembrarem o passado. Para Phillipe Dubois, é através do processo de observar fotografias, que possibilita ao homem uma das formas de ver e recordar o visto, pois “nossa memória só é feita de fotografias” (Dubois, 1993: p. 314).

O real muda a todo o momento pelo avanço inexorável do tempo. A fotografia com esta capacidade de corte, que possui o retém. A imagem fotográfica passa a ser o “espelho do passado”, porém com a imagem retida. É uma memória portátil e palpável, onde a imagem permanece de forma infinita e que pode ser acionada, toda vez que for revista.

Situação atual

Hoje em dia não se consegue compreender um ser humano, uma família que não possua fotografias, que não tire fotografias, que não sofra a sua influência, ainda que de forma mais ou menos amadoras ou como simples objetos de recordação.

As ocasiões especiais ou muito significativas são os grandes alvos fotográficos da modernidade. Ali, pessoas, em qualquer local do mundo, gravam seus acontecimentos como forma de comprovarem a realidade e a sua participação efetiva na história deste fato social, ou apenas como prova de que aquilo aconteceu e estavam presentes.

O poder que tem aquela plana folha de papel com a imagem gravada, seja banhada em componentes químicos, sensíveis à luz e revelados, ou a moderna impressão digital, originária da conversão de dados analógicos em dados digitais e processados, denominados de suporte fotográfico, é, resumindo, o real surrealismo gravado.

Aquela simples “Foto” contém impressa uma realidade capturada com a câmara fotográfica, que reproduz um instante do presente e que já se tornou passado, o que no dizer de Walter Benjamim “ver uma beleza nova naquilo que esta desaparecendo” (Sontag, 1981: p75)..

Esta fotografia, finalmente vai para alguma parede ou canto da casa, ou uma mesa de escritório às vezes, até mesmo dentro de uma carteira, porém, sempre ali ela está firme, solitária, porém eloqüente, é testemunha morta do passado e um vigilante, que vê a vida e nada faz, mas a policia com sua presença, como vigia de atos cotidianos.

A fotografia se interpõe entre fotógrafo e assunto. A dicotomia do ato de "cortar" um pedaço do tempo, e depois poder estudá-lo, olhá-lo, analisá-lo, possibilita ao observador, enquanto fotógrafo, procurar entender o seu por quê? Compreender o seu “tudo”. Decodificar o seu código visual? Benjamin alertava em sua Pequena História da Fotografia “o analfabeto do futuro não será quem não sabe escrever, e sim quem não sabe fotografar. Mas um fotógrafo que não sabe ler suas próprias imagens não é pior que um analfabeto?” (Benjamin, 1996: p. 107).

O observador, que se depara com esta imagem, certamente iniciará uma decodificação a partir da convicção de que aquilo é verdade, de que aquilo aconteceu ou de que aquilo existe? Como pode o observador se comportar diante desta fotografia?

O real observado e gravado na fotografia possui está atração metamórfotica, onde seus ícones e código visuais mudam, por ingerência do tempo, ou ainda, de forma aleatória, como o próprio tempo e a maré do mar o fazem diante de cada um.

A foto, tão logo obtida, já faz parte da história passada, ainda que recente e que, quando evocada através do olhar, transforma sua informação, conforme o espectador que a observa. O choro, as lagrima, a alegria, a sensação de felicidade, o horror, a mensagem impregnante ou a indiferença afetará cada receptor, sempre de forma diversa, em cada fotografia.

A foto é a prova testemunhal e ocular do fato. Ela é o fator determinante do novo modernismo, onde sem pincel, tudo é gravado. O ato de viver, se fotografado, vai reapresentar a vida humana. É este ato fotográfico, que lhe dá a posse de uma foto, a posse da vida, que lhe apresenta a busca pela eternidade.

Não é, portanto, uma fotografia, uma tentativa de conter a eternidade, ainda que em uma folha de papel, ou mesmo, em um álbum fotográfico, tendo ali, nela, a “fonte da juventude eterna”, conservando o belo de forma imutável e perene?

Não é a fotografia uma tentativa de conter a morte? A possibilidade de parar o tempo? A tão procurada juventude infinita, que eternizaria a vida, contida naquela imagem fotográfica? Uma testemunha e prova irrefutável de que, o possuído, aconteceu e fez parte da realidade, da vida e foi fotografado?

A fotografia e seu noema

O noema fotográfico, quanto a sua natureza indicial remete sempre a “ uma emanação da realidade passada ” (Barthes, 1981: p. 88) ·, mas, sempre é uma imagem com a característica de possuir a capacidade da realização de uma incontestável repetição, ainda que mecanicamente da “ realidade sem duplicá-la ” (Barthes, 1981: p. 66) ·.

Assim se entende, que não seria adequado substituir a definição etimológica de fotografia, “Escrever com a luz” por “ Pintar com a “luz ” (Nurnberg, 1974: p. 7), uma vez que a pintura comporta sempre uma visão estereotipada da realidade, exercida pelo artista, ao passo que a " Fotografia pode distorcer - mas sempre permanece a suposição de que algo semelhante ao que a fotografia mostra existe ou existiu ” (Sontag, 1981: p. 6) “·, o que confirma seu caráter, quase exclusivo, de reprodutora da realidade”.

A fotografia veio dotar todos os simples mortais, ainda que despossuídos de habilidades artísticas, de terem a possibilidade de registrar em imagens, os fatos, sua vida, sua arte. Através da imagem fotográfica podem expressar a sua comunicação “não verbal”, mas, de uma potência comunicacional, sociológica e psicológica fundamental para o seu desenvolvimento social.

Seria uma comunicação extemporânea da própria fala o saciar do olhar sobre o movimentar do corpo, que, quando congelado fotograficamente, assumiria uma forma de suprir deficiências psíquicas motoras e coordenadoras da fala, do desenho e da escrita, ou mesmo, uma nova forma de exteriorizar o inominável sentimento que agita o homem moderno e determina o seu agir, impregnado de ação e narrado pelo visual.

O impacto pelo poder conter a reprodução fiel original, que só a fotografia contém, ainda que figurado, é sempre uma cópia do real, ainda que possa ser semiológicamente sempre narrado de forma completa e justificando o "não falar”, mas expressando a realidade da qual se faz parte, da qual se manteve um contato com sua existência e é o que vai relatado em uma foto de forma única e verossímil, suprindo a sua descrição, como disse Lewis Hime “Se pudesse narrar com palavras, não necessitaria arrastar uma câmara atrás de mim” (Hine, apud Sontag, 1981: p. 177).

O registrar fotográfico é uma apreensão da gama incontável de influências de espectros luminosos de que se é alvo e suscetível. Cada fragmento de luz, que se captura de forma ordenada, traz uma informação e provoca na mente com a impregnação da luz, que ilumina e nos traz a informação, uma imagem. A luz ilumina, mas também provoca um "clima" e os efeitos decorrentes da sua variação de temperatura e de cor. Assim, se enxerga os reflexos da realidade que a luz traz, mas existe o clima e o efeito! Fatores ligados ao emocional, ao psicológico.

Porém, ter a visão e a utilizar ao olhar uma foto, é perceber o impercebido durante o registro da realidade pela fotografia. De fato, a percepção de outras realidades contidas na imagem registrada, só é permitida pela re-observação da realidade gravada na imagem fotográfica. Este fenômeno, que se descortina diante dos olhos do espectador, mesmo que tenha sido ele o fotógrafo, traz realidades não percebidas, devido à existência do “movimento", o qual, de certa forma, age como "camaleão" da realidade, contida em cada momento de ação, e principalmente devido ao fator técnico do uso do aparato fotográfico, que ao abrir a cortina para a passagem da luz, fecha a visão do fotógrafo, que não vê o que fotografa.

Para o observador, mais que a própria realidade documentada, é uma realidade passada, pormenorizada em detalhes, em situações e, rica em possibilidades de conter em cada imagem, em cada plano, em cada signo mítico, que se encontra congelado e guardado ali para sempre, uma informação a ser contemplada.

A fotografia então, não pode ser considerada de forma tão simples, como uma imagem de um fato gravada pela ação da luz em uma folha plana de papel onde fica registrado um aspecto da realidade, existente diante do fotógrafo, no momento do aperto do botão do obturador de uma câmara fotográfica.

A imagem fotográfica carece de um estudo aprofundado, de uma análise em sua mensagem mediática e mítica. A fotografia precisa ser estudada, lida, decodificada, pois é uma imagem com forte poder de narração e com um conteúdo repleto de símbolos visuais.

A mensagem visual não está somente contida no visível, mas de uma forma muito mais comunicativa e interpretativa, esta mensagem encontra-se também em uma aparência invisível, encoberta por filtros pessoais de cada observador e por ícones, signos, elementos de conotação e denotação que irão proporcionar a cada observador uma leitura diferente e única ao examinar aquela fotografia.

A foto é o visto pela visão do observador (fotógrafo), que irá tornar-se uma imagem fotográfica através de uma câmara. Esta imagem captada no suporte sensível nada mais é que “... o efeito das radiações provenientes do objeto” (Peirce, 1960: p. 184) · e que irão ser um signo visual, o qual vai despertar consciências, gerar conceitos éticos, impondo uma imagem mental, levando o observador a fazer uma primeira leitura visual, ocasionado o que Barthes denomina “... o studium é fatalmente encontrar as intenções do fotógrafo, aprová-las, desaprová-las, mas sempre compreendê-las...” (Barthes, 1984: p. 48).

Porém esta imagem, nesta leitura inicial, não irá informar ou impor a ética utilizada pelo operador ao capturar a fotografia, nem transformar o assunto e o acontecimento passado, mas deixará que o seu leitor a observe, sem a desnudar por completo, interpretando seus signos, seus ícones visuais.

Mas a fotografia permite, como diz Benjamin “procurar a centelha do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem.”(Benjamin, 1996: 94).

O que pode ensinar a observação de uma imagem fotográfica? O que nos informa a relação entre o referente e seu espelho? Entre o suporte sensível e a luz agente da gravação; com o discurso visual contido na imagem? Será um novo conhecimento da realidade passada ou uma nova avaliação filosófica da própria vida, revista através da imagem?

Seria um novo aprendizado visual, onde uma informação fotográfica é completa em sua unicidade e assim verdadeira, pois, devido a sua "imitação mais perfeita da “realidade” ···· (Dubois, 1998: p. 27) não é só nostalgia, mas” causa impacto na medida em que revela algo original” · ou só serão as influências psicológicas que serão sempre permeadas por sentimentalismo e desprovidas de avaliações dos signos visuais e de toda sua extensão e profundidade? ”(Sontag, 1981: p.19).

Barthes alerta para a existência do “punctum” e diz “é um detalhe” (Barthes: 1984: p. 69) (o que me punge) ( Barthes: 1984, p. 68); punctum é o que me atrai o que me fere (Barthes: 1984, p. 66); mas mais incisivamente Barthes diz que o punctum é “um suplemento: é o que acrescento à foto e que todavia já está nela ”(Barthes: 1984, p. 85) e continua “é, portanto, uma espécie de extracampo sutil, como se a imagem lançasse o desejo para além daquilo que dá a ver:...” ( Barthes: 1984, p. 89), assim podemos ver que a fotografia traz consigo este algo mais o que choca e que de certa forma contido na imagem a faz falar de forma pessoal a cada observador, apontando muitas vezes para elementos fora da própria fotografia que se observa.

Uma avaliação de uma imagem fotográfica sempre será imperfeita se o critério decodificador não for claro e objetivo. Muitas vezes poderá ser superficial, leviano ou mesmo ofuscado pela cor e pela ausência de habilidade de se ler as narrações visuais ali contidas.

A incapacidade de analisar com critério a narração do registrado e a decodificação dos aspectos visuais denotados e conotados da realidade ali gravados, compromete a compreensão das estampas ali contidas. Eis o grande desafio da fotografia.

Esta sua capacidade camaleônica de confundir-se com a arte e com a realidade, de ser ao mesmo tempo, hobby, trabalho, ciência, informação ou simplesmente uma mera recordação, mas, de ter sempre consigo a inscrição de que aquilo que contém, existiu, torna a fotografia um complexo sistema de informação.

É uma gravação objetiva da realidade. Ali, outros componentes introduzidos irão aumentar o seu poder de semelhança com a existência e de sua veracidade. Ela será sempre um documento incontestável da existência do que ali se encontra estampado. Todavia, sempre estará repleta de conotações e denotações.

Assim, a foto está muito próxima da verdade, pois sendo a reprodução da realidade obtida mecanicamente, é um documento incontestável da verdade, pois se vale da fundição da luz, reflexo do observado, gravado num suporte sensível.

O fotógrafo só pode optar por secioná-la da realidade e assim possuí-la, ou se contentar com o fato de “não a ter”.

Levantadas todas estas questões, muitas vezes, consideradas óbvias, mas, geralmente esquecidas no ato de se ler textos visuais, se constata o grande desafio que se impõe depois do registro fotográfico e da constatação da sua importância como instrumento de comunicação.

Trabalho de campo

Uma pequena experiência, realizada com alunos de fotojornalismo da Universidade Católica de Pelotas e um grupo de pessoas da periferia da cidade de Pelotas, pode apontar pistas para esta constatação. Assim se apresentam três momentos, que irão tentar ser elucidativos.

As fotografias abaixo são integrantes de um trabalho acadêmico de alunos de Jornalismo.

A pauta fotográfica solicitava o registro de imagens do dia a dia de uma pequena comunidade, que vivia às margens de uma rodovia, sujeita, por um lado aos perigos do trânsito intenso de veículos e por outro, às cheias de um afluente do canal São Gonçalo, em Pelotas (RS). Esta comunidade fazia parte de um dos muitos grupos de excluídos da sociedade brasileira e que habitam a periferia das grandes cidades brasileiras.

O trabalho fotográfico foi o cume da convivência de algumas semanas, que tinha como objetivo a realização de fotografias jornalísticas desta realidade social.

O resultado obtido, no entanto, deveria fornecer um acervo de imagens fotográficas com a documentação das mais variadas situações retratadas e fruto de um relacionamento social e pessoal com os integrantes da comunidade.

A técnica sugerida para a realização da pauta fotojornalística ia desde o bom uso do equipamento fotográfico até as normas de comportamento profissional diante da intimidade e privacidade de cada um que fosse alvo de uma fotografia.

A finalidade era de que, quando realizassem as fotografias, conseguissem obter a maior naturalidade possível, pela prática de uma postura respeitosa e profissional, diante do outro e que registrassem principalmente a realidade.

Muitos alunos conseguiram este intento, pois além do relacionamento, obtiveram imagens impressionantes e criaram uma empatia com os “objetos” fotografados.

Assim, o aprendizado de Jornalismo e de Fotojornalismo torna-se mais rico e fecundo para a formação de profissionais, pois, além da teoria acadêmica agregam à prática do dia a dia das redações dos jornais o trabalho de campo.

Primeiro momento. (Fotografia de Gláucio Farias Brião)

Passados alguns dias, o senhor da foto acima procurou a equipe do jornal. Queria uma cópia da fotografia que havia sido tirada dele e de sua família. Gente simples, logo informou o motivo do pedido.

O filho, o pequeno bebê que aparece na foto havia morrido! Ele queria ficar com uma foto, pois seria a única lembrança que podia ter do filho, depois do “desaparecimento” do menino.

Segundo momento.
(Fotografia de Leandra G. Costa).
Fruto do mesmo trabalho nesta comunidade, a fotografia acima fez parte de uma pequena exposição fotográfica, realizada para os habitantes desta pequena comunidade.

As margens da rodovia se montou um painel, onde as fotografias foram expostas aos moradores para verem suas fotografias, suas imagens. Logo a pequena exposição estava cheia, e quase todos os moradores a ela afluíram para verem as fotografias expostas.

Observava-se com atenção as reações dos fotografados quando, diante das fotografias se reconheciam e se reviam. Gente simples e humilde, logo expressava suas impressões e reações diante das fotografias, com toda a espontaneidade e simplicidade das quais são dotados.

No entanto, um fato, relacionado com a fotografia acima, chamou a atenção.

Uma exclamação!

Vejam só, uma criança com uma faca na mão!

Logo, em seguida:

Mas é o meu filho!

As amigas, todas a seu lado, começaram a falar. Eram críticas, comentários, e todas diziam a mesma coisa: Vistes! Agora acreditas! Quando nós te falávamos que o teu filho pequeno brincava com facas, não acreditavas. Agora acreditas!

Terceiro Momento.
(Fotografia de Raquel S. Heidrich)

Em continuidade ao aprendizado da disciplina de Fotojornalismo, se realizou uma série de reportagens fotográficas em alguns bairros e vilas da cidade de Pelotas.

Em um destes bairros deveria ser fotografada a população ribeirinha do canal São Gonçalo. Ali, uma série de fotografias deveriam ser realizadas, procurando documentar o modo de vida, as carências, as necessidades, e o dia da dia desta população. Ali também existe uma comunidade caracterizada por serem quase todos excluídos socialmente.

A menina acima procurou uma das alunas e pediu se ela podia tirar uma fotografia sua, pois não possuía nenhuma fotografia.

A fotógrafa prontamente preparou-se para fazer a fotografia. A menina, quando percebeu que seria atendida e que a fotógrafa iria lhe tirar uma fotografia, pediu um momento de pausa, correu até o seu casebre, gritando, que precisa se arrumar!

Voltou poucos momentos depois, do mesmo jeito que havia ido, mas dizendo agora estou pronta!

Coloquei o perfume e vesti os chinelos!

Assim, posou radiante para a fotografia. (Pose mesmo!).

Realidade e semelhança

Susan Sontag, afirma em seu livro Ensaios sobre a Fotografia, que “a fotografia, ao mesmo tempo em que nos atribui à posse imaginária de um passado irreal, ajuda-nos também a dominar um espaço no qual nos sentimos inseguros” (Sontag, 1981: p. 9).

Através da fotografia, conforme diz Vilém Flusser, existe uma forma de “conhecimento”, “ O fato relevante para ele é que as fotografias abrem ao observador visões do mundo” . (Flusser, 1998: p. 57).

Mas, se para Flusser parece parar aí o processo, se entende que para a maioria dos homens, a fotografia vai além deste fato. Ultrapassa a posse do momento registrado pela fotografia e penetra na posse de uma chave para a memória visual, que pode ser evocada a cada nova observação da imagem fotográfica gravada.

Algumas vezes, a fotografia chega a substituir a própria realidade para muitos, a ponto de agir no psíquico como uma presença imaginária e verdadeira de falsos análogos e, portanto geradores de comportamentos específicos repletos de “desvios”, até mesmo com relação com a imagem visualizada e o real.

A realidade torna-se presente, ainda que de forma imaginária, através da visualização de uma fotografia e da sua identificação com fatos co-relatos do passado, ou com a lembrança de experiências passadas pelo observador e identificáveis com as imagens e os signos contidos na fotografia. O processo de irrealidade chega a materializar-se através da posse de fotografias que evocam, ainda que mentalmente, as experiências vividas e na foto gravadas.

A vida moderna não se concebe, hoje, sem o registro fotográfico dos mais variados momentos “significativos” do processo de viver. Posteriormente, quando forem novamente observados e identificados com a imagem mental armazenada, se tornam “presencializados” e atuais, ainda que por efêmeros pedaços de tempo.

Este exercício psicológico, ainda que realizado de forma inconsciente, possui uma capacidade de proporcionar “satisfação” positiva ou negativa, aos observadores, conforme a identificação, com momentos agradáveis ou desagradáveis, que proporcionam aos observadores.

Analíse

A compreensão da imagem fotográfica carece ainda de um aprofundamento do estudo de seu conteúdo enquanto mensagem. De fato, as inúmeras leituras que possibilitam, ainda não foram suficientemente estudadas e compreendidas, dentro da complexidade de informações que disponibilizam.

Entretanto, se percebe que nos três momentos acima descritos, o “assunto” fez prevalecer o espectro imagético da posse, da constatação da realidade e da transmissão de sua imagem.

Percebe-se, que no primeiro momento a imagem é a garantia de uma existência, repentinamente interrompida, que fornece a prova, através da fotografia, atestando uma existência, ao mesmo tempo, que supre a lacuna da ausência, ocasionada pela morte.

Aqui, as fotografias como diz Sontag, “constituem tentativas de alcançar ou reclamar a posse de outra realidade” (1981: p.16), implicitamente se percebe a sua influência sobre a sensibilidade emotiva, ao mesmo tempo, que fixa uma presença do que foi e atesta uma existência perdida.

A dinâmica deste momento remete a alegoria da caverna de Platão. Acorrentado diante da realidade, o homem moderno, não vê, a infinita quantidade de imagens, que o agride diariamente e que lhe turva a visão da própria existência.

Parodiando Achutti, que aproveitando uma metáfora de Ondina Fachel Leal. comenta “Ela soube bem responder aos ingênuos, que acreditam ser a fotografia uma cópia da realidade, dizendo que uma fotografia é uma realidade revelada”.(Achutti, 1998: p.47)

Uma realidade revelada, até então turvada pelo próprio ato de viver, melhor se diria de sobreviver. Aqui, a fotografia fez a diferença. A sua articulação, entre a realidade e a reprodução do visível gravado, foram, naquele caso, a confirmação de uma existência. A narração da realidade compreendida tornou-se o próprio acontecimento.

Quando Dubois se refere a Narciso e sua imagem no espelho d água, comenta: “...não tanto em sua “origem”, mas, em sua “essência”.”.(Dubois, 1998: p.140). A essência da imagem que o “ator”, quer desvelar, é, em síntese, a sua própria imagem como a concebe e quer que seja vista.

A menina, em seus níveis de representação, vê na fotografia, a possibilidade de apresentar, a sua imagem. Aquela imagem, que concebe em seu imaginário. Acredita que com os adereços por ela acrescentados, antes da fotografia, reproduzirão o seu imaginário no registro fotográfico.

Talvez, este momento, dentro os três apresentados, evidencia a urgência de uma filosofia que trate da fotografia, pois, a reprodução da imagem fotográfica neste caso, poderia reproduzir a menina, tal qual ela se contempla em seu imaginário?

Assim, são três momentos; A retenção do tempo através do corte; A relação da fotografia com o real; e, o duplo obtido através do corte técnico.

Afinal, que fotografia é esta que contém em seu âmago, tantos efeitos por ela gravados, reapresentados e ainda obscuros Que ato técnico retém pela incidência da luz e o controle do próprio operador, tamanha potencialidade comunicacional e que não se pode dimensionar, perceber, ou mesmo selecionar, no ato da sua obtenção?

Conclusão

Ler fotografias ainda é um exercício novo. Decodificar imagens que reproduzem a realidade, sem um método específico, e sem uma metodologia que contemple o visual e o emocional, torna-se uma tarefa árdua, difícil e até mesmo impossível, se levar-se em conta a diversidade da leitura, que as fotografias possibilitam e o hypertexto imagético que possui.

O uso do texto de forma a suprir as ausências geradas pela imagem, que por sua vez, contempla as incompreensões da leitura tradicional, talvez indique uma pista para o início do uso da imagem fotográfica cientificamente em trabalhos sociais, e não mais como apêndice, anexo ou mera ilustração. As ciências exatas já descobriram este caminho!

O contraponto entre a narração visual e a sua compreensão pode estar em Aristóteles, para o qual "o pensamento é impossível sem “imagens” (Aristóteles, apud. Santaella & Noth, 1998: p. 28) e Merleau Ponty , que indica a relação entre a realidade e o ato de observá-la de forma consciente e epistemológica “... é verdade que o mundo é o que vemos e que, contudo, precisamos aprender a vê-lo. "(Merleau-Ponty, 1996: p.16). Assim entende-se que o homem necessita aprender a ver e a ler fotografias, que urge uma filosofia da fotografia e para a fotografia. Afinal, ela já é parte de nossa própria arte de viver.

Referências Bibliográficas

ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson (Org.), (1998): Ensaios Sobre o Fotográfico. Unidade Editorial. Porto Alegre.

BARTHES, Roland (1984): A Câmara Clara , Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro.

BENJAMIN, Walter (1996): Obras Escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política . São Paulo. Brasiliense.

DUBOIS, Philippe (1998): O Ato Fotográfico , Papirus Editora, São Paulo.

FLUSSER, Vilém (1998): Ensaio sobre a fotografia. Para uma filosofia da técnica. Editora Relógio D´Água. Portugal.

MERLEAU-PONTY, M. (1992): O Visível e o Invisível . Editora Perspectiva. São Paulo.

NURNBERG, Walter (1974): La Iluminacion em la Fotografia . Gráficas Instar. Barcelona.

PEIRCE, Charles (1960): Collected Papers, Harward Press. Vol. II, New York.

SANTAELLA, Lucia & NOTH, Winfried (1998): Imagem, Cognição, semiótica, mídia . Editora Iluminuras. São Paulo.

SHAEFFER, Jean Marie (1996): A Imagem Precária . Papirus Editora. São Paulo.

SONTAG, Susan (1981): Ensaio Sobre a Fotografia , Editor Arbus, Rio de Janeiro.


Notas

[1] Fotógrafo, jornalista, Mestre em Desenvolvimento Social, Pós-graduado em Administração pela Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro, pesquisador do Nupecom (Núcleo de Pesquisas em Comunicação Social da Universidade Católica de Pelotas), professor adjunto II da Escola de Comunicação Social da Universidade Católica de Pelotas, nos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas e Mestrando em Políticas Sociais pela UCPel.


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