Revista F@ro Nº2

A mídia no cotidiano de agricultores familiares
da região noroeste do Rio Grande do Sul

Patrícia Kolling 1
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Brasil
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Resumo: Particularidades do convívio dos agricultores familiares da região noroeste do Rio Grande do Sul com a mídia, como as dificuldades de acesso aos produtos oferecidos pelos meios de comunicação, o trabalho exaustivo na lavoura e o baixo nível educacional, são abordadas neste artigo. Os dados, obtidos através de entrevistas, destacam quais as emissoras, programas e horários de maior de audiência da televisão e rádio e os hábitos de leitura de jornais, revistas e livros desta população. A análise das informações contextualiza a recepção como um espaço de mediações e a cultura e cotidiano como espaços de reflexão para comunicação tendo como referências teóricas Martin-Barbero, Guilhermo Orozco, Stuart Hall, David Morley.

Palavras chave: Mídia- agricultores familiares- recepção-mediações

1. Os meios de comunicação no contexto do cotidiano

O espaço de recepção dos meios de comunicação é, como reconhece Martín-Barbero (2003), o espaço da produção e do reconhecimento dos sentidos das comunicações. É um espaço interativo, complexo e contraditório em sua prática comum, é um espaço de mediações. A partir de conceito elaborado por Martín-Barbero, mediação pode ser entendida como a instância cultural, de onde o receptor produz e se apropria do significado e do sentido. É uma espécie de estrutura incrustada nas práticas sociais dos sujeitos, ligada ao cotidiano. Relacionada às práticas comunicativas, as mediações podem ser entendidas como um processo estruturante, que configura e reconfigura, tanto a interação dos receptores com os meios, como a criação pelos receptores de sentidos a esta interação.

Assim, no lugar da recepção é possível perceber e compreender a interação entre o espaço da produção e da recepção, pois o que se produz na televisão e em outros meios não responde unicamente ao requerimento do sistema industrial e os estratagemas comerciais, mas também as exigências que vem da trama cultural e dos modos de ver. Para se estudar a recepção dos meios a partir das mediações é necessário tomar a cultura como um espaço de reflexão para a comunicação. Isto porque as mediações se originam em diversas fontes: na cultura, na política, na economia, na classe social, na idade, nas condições de vida, nas instituições e nas rotinas do cotidiano. Como também da mente do sujeito, de suas emoções, experiências, vivências passadas. Neste texto, apesar de não realizarmos um estudo específico de cada mediação e nem nos referirmos a elas constantemente, buscaremos citar vários aspectos que agem como mediações no processo de recepção dos meios de comunicação, como idade, nível educacional, contexto, rotinas cotidianas, instituições e aspectos tecnológicos. Enfim, o espaço da recepção dos meios é o das mediações, que influem diretamente no tempo que as pessoas dispõe para acessar os meios de comunicação, na forma como os recebem, nos sentidos heterogêneos que produzem e nas influências das mensagens recebidas.

Destacamos ainda que o espaço da recepção é o do cotidiano. Pois assistir televisão, ouvir rádio, acessar outros meios de comunicação são atos incrustados na gama de práticas cotidianas e ao mesmo tempo são ações parcialmente constitutivas dessas práticas, evidencia Scanell (en Morley e Stone, 1993). Assim, destaca Morley, citando Michel de Certeau, que pelo fato da televisão e outros meios, como rádio, serem próprios da vida cotidiana, estudar um é ao mesmo tempo estudar a outro.

2. A pesquisa empírica

Para a efetivação da pesquisa exploratória, que é base deste texto, foram realizada entrevistas, com 30 pessoas moradoras do meio rural das comunidades de KM 10, Lajeado Guabiroba e Lajeado Tigre, localizadas na área rural do município de Santa Rosa, noroeste do Rio Grande do Sul, nos dias 16 e 17 de novembro de 2004. Foi aplicado um questionário com 48 perguntas abertas e fechadas, que na primeira parte foram levantava características pessoais e sócio-econômicas dos entrevistados, para a constituição de um perfil destes. Na segunda parte estavam as perguntas sobre o consumo rotineiro de bens midiáticos, como a televisão, rádio e jornais e na terceira parte, que não abordaremos neste artigo, questionamentos sobre a relação entre o meio ambiente e a mídia. Para o preenchimento dos questionários foram realizadas visitas nas casas2 das pessoas, sem aviso prévio. Para realização das entrevistas a pesquisadora foi conduzida e acompanhada por um técnico agrícola da Ascar-Emater/RS (empresa de assistência técnica e extensão rural do RS), pessoa que conhecia e era conhecida pelos moradores.

3. O perfil dos entrevistados e das comunidades

Das trinta pessoas entrevistadas, 15 eram do sexo masculino e 15 do sexo feminino, entre 12 e 70 anos. 67% dos entrevistados tinham mais de 41 anos, 33% tinham entre 21 e 40 e 10% menos de 20 anos. 74% das pessoas eram casadas, 16% viúvas e 10% solteiras. O nível educacional dos entrevistados, especialmente aqueles com idade mais elevada, era consideravelmente baixo, sendo que 6% eram analfabetas, 70% cursaram apenas até a 5a ou 6a séries do Ensino Fundamental, 6% concluíram o Ensino Fundamental e 12% tem Ensino Médio incompleto ou completo. Os entrevistados mais jovens destacaram que estão e/ou pretendem continuar estudando, principalmente com objetivo de futuramente encontrar um emprego na cidade. As origens-étnicas predominantes são a alemã e a italiana. Todas as pessoas são integrantes de alguma comunidade religiosa, prevalecendo a participação nas igrejas evangélica, luterana e católica.

A participação social dos entrevistados acontece através de entidades como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, das Cooperativas Agropecuárias, dos Clubes Sociais e da Terceira Idade. Algumas mulheres também participam do Clube de Mães ou Grupo de Mulheres.

Todos os entrevistados consideram-se agricultores e caracterizam-se pelo desenvolvimento de uma agricultura familiar, ou seja em pequena escala e com mão-de-obra familiar. As propriedades caracterizam-se como minifúndios. 20% dos entrevistados tem áreas menores que 5 hectares de terra, 40% tem entre 6 e 10 hectares, 24% entre 11 e 15 hectares e apenas 16% tem mais de 16 e no máximo 29 hectares. Ou seja, 84% possuem menos de 16 hectares. Vinte e cinco pessoas possuem terra própria e 5 arrendam área para trabalhar. O principal produto produzido nas comunidades, citado por 22 entrevistados, é as vassouras de palha, que tem sua matéria-prima cultivada e colhida pelos agricultores. A confecção dos produtos artesanais e a comercialização das vassouras, no comércio e residências da região, é realizada pelas próprias famílias de agricultores. Nas comunidades também se cultiva para comercialização: soja, milho, leite, trigo e em menor escala mel e peixes. A subsistência das famílias é garantida através da produção de diversos produtos, como mandioca, feijão, batata, carne, hortaliças, amendoim e outros.

Dos 30 entrevistados, 26 tem apenas um aparelho de televisão em casa, três pessoas têm dois aparelhos, mas costumeiramente utilizam apenas um, e uma pessoa disse que tem três aparelhos. A maioria dos aparelhos está localizada na sala ou na cozinha. Quanto aos aparelhos de rádio, 20 pessoas têm apenas um aparelho, oito tem dois e duas pessoas tem três aparelhos. Apenas oito pessoas possuem antena parabólica e 22 não possuem. O computador está presente na casa de apenas uma pessoa.

Conhecendo um pouco da realidade em que vivem os entrevistados acreditamos ter melhores condições de refletir sobre suas respostas, pois precisamos, para uma análise crítica das entrevistas, pensar no contexto em que estão inseridos os entrevistados, as suas vivências passadas e quais são as posições e/ou lugares que ocupam ao falar e responder os questionários. "Todos nós falamos e escrevemos de um lugar e um tempo particular, desde uma história e uma cultura que nos são específicas. O que dizemos está sempre em contexto posicionado", evidencia Stuart Hall (1976: 68).

Considerando estes aspectos, buscamos mostrar a seguir, algumas interpretações do que foi dito pelos entrevistados, destacando características sobre este público e as mediações, como fatores que justificam o que foi dito.

4. A televisão

A partir das respostas obtidas, destacamos que as emissoras mais assistidas são a Globo e RBS/TV (Rede Brasil Sul - retransmissora da Rede Globo no Rio Grande do Sul). Estas foram citadas por todos os entrevistados, sendo que para muitas famílias são as únicas emissoras acessíveis, devido à distância das antenas transmissoras e por não possuírem antenas parabólicas. Entre as pessoas que possuem antena foram citados também o Canal Rural, Canal do Boi, a SBT e a Rede Bandeirantes. Somente uma pessoa disse não assistir televisão, um homem, de 64 anos, que diz que prefere ouvir rádio ou tocar violão.

Os entrevistados tiveram grandes dificuldades de informar precisamente quanto tempo assistem televisão por dia. A televisão já é parte do seu cotidiano e eles não costumam pensar muito sobre este ato. A média de tempo que as pessoas permanecem assistindo televisão por dia, a partir das respostas obtidas, é de uma a duas horas, freqüentemente à noite.

Muitas pessoas, principalmente as mulheres destacaram que costumam desenvolver outras atividades paralelamente ao momento que assistem televisão. "Assisto em torno de uma hora. Nem sei se dá isso. Porque a gente está fazendo outras coisas e vendo. Não senta para assistir. Mas está lavando a louça e dá uma olhada", disse Nilda3 . "Acho que vejo em torno de uma hora, que mulher nunca tem aquele tempo de ficar só assistindo", evidencia Cíntia. Este fato é justificado por Morley e Stone,(1993: 183) quando dizem que a ação pura de ver televisão é um caso relativamente raro. Ganter e Svnnevig (1987) (en Morley e Stone 1993: 183), mencionam dados que 50 a 64% dos espectadores referem-se ao fato que em geral vêem a televisão enquanto estão fazendo alguma outra coisa. Bryce (1987) (en Morley e Stone, 1993: 183) complementa ainda dizendo que ver televisão é somente um dos níveis possíveis para uma variedade de atividades familiares. Assim, o fato das mulheres realizarem todo o trabalho doméstico e também o trabalho na lavoura diminui consideravelmente o tempo que elas dispõe para ficar em frente ao aparelho.

Sendo uma atividade que constitui e é constituída pelo cotidiano, talvez se justifique o fato das pessoas pensarem tão pouco sobre o ato de ver TV, e os transformarem quase em ações que parecem inconscientes. Hall destaca, porém, que estas ações cotidianas, apesar de automáticas, não são instintivas no sentido usual. "Cada movimento que fizemos é normalmente guiado por um conjunto de normas e conhecimentos culturais. Uma vez que não damos muita atenção consciente as nossas ações -nossas ações foram institucionalizadas, sedimentadas naquilo que em nossa cultura é tido como certo, o nosso habitus- podemos relutar em falar em significado", (Hall, 1976: 42). Para complementar ele explica que os significados e valores destas condutas, práticas humanas, ações físicas e fins estão inscritos na cultura de cada um. Daí a dificuldade de compreender de fora os sentidos das ações dos outros, sem conhecer as normas e significados que dão as ações relevância.

Assim, a atividade de assistir televisão segue também uma perspectiva baseada em regras e normas, é pautada pela vida cotidiana. Pensando nesta questão das rotinas do cotidiano, do contexto e nas regras de ver TV, podemos citar o fato apresentado por muitos entrevistados, de que na época das entrevistas, devido ao horário de verão (em que escurece mais tarde), eles permaneciam mais tempo trabalhando na lavoura. Conseqüentemente não conseguiam assistir muitos programas que gostariam, como o RBS Notícias (programa de notícias da retransmissora local da Rede Globo, a Rede Brasil Sul, transmitido às 18h 45min) e a novela das 18 horas. Outros entrevistados ressaltaram que durante o período que permanecem confeccionando vassouras, no galpão, costumam ouvir rádio. Esta atividade ocupa, às vezes, todo o dia, aumentando a audiência do rádio nos períodos do ano em que se confeccionam as vassouras. Ou seja, a televisão e/ou outros meios influenciam as práticas cotidianas, porém a estrutura do lugar, a cultura doméstica também afeta a forma como os meios de comunicação são utilizados.

Também precisamos lembrar que, segundo Morley, a família é a unidade básica do consumo da televisão. Assim, valores familiares como a religião e a dedicação ao trabalho influem na forma como a televisão se insere no dia-a-dia das pessoas.

Por exemplo, o trabalho exaustivo nas lavouras e também, acredito, a necessidade de mostrar-se integrado a uma cultura que valoriza excessivamente o trabalho, fez com que muitas pessoas destacassem não disponibilizar muito tempo para ver televisão. Cleci, por exemplo, disse que assiste televisão raramente. "Não tenho muito tempo para ver TV. Sempre tem alguma coisa para fazer", disse ela. Nem nos finais de semana os entrevistados têm o costume de ficar muito em frente ao aparelho. "Assisto às vezes, quando não saio", diz Carine. "Quando chove, que o trabalho na lavoura fica inviável", diz Oscar, "que a gente vê mais um pouco de TV". O fato das pessoas dizerem que somente assistem televisão à noite vem também reforçar esta idéia de que durante o dia não possuem tempo, pois necessitam trabalhar.

Acredito, que como cita Jiani Bonin (2004), esta necessidade de expressar-se como pessoas trabalhadoras, e sem tempo para dedicar-se aos meios de comunicação, tem ancoragem em práticas que remetem a um ethos do trabalho. Segundo Bonin o trabalho é a dimensão da fundamental da vida destas famílias, devido a uma dimensão histórica herdada dos antepassados imigrantes.

Outro aspecto que ficou evidente é a diferença das gerações nos gostos e ações em relação à televisão. Diferenças de princípios morais fazem com que algumas pessoas afastem-se da televisão e/ou assistam somente porque outras pessoas da família ligam o aparelho. Ilza expressou que não gosta muito de ver TV, mas que o neto adora. "Sempre depois da escola ele vem aqui assistir. As filhas ligam a televisão, então a gente assiste um pouco". Já Vera destaca: "A gente vê muita coisa que às vezes nem é para passar. Acho que muita coisa está assim por causa da televisão. Não tem mais respeito". Vânia reclama: "Gostaria que tivesse mais programas religiosos do que filmes. Me criei na religião. Estes programas trazem coisas melhores" Mário conclui dizendo: "Se pudesse censuraria muita coisa na televisão. Alguns programas são ridículos". Todas pessoas, citadas no último parágrafo, têm mais de 50 anos e são integrantes da igreja evangélica. Já as pessoas mais jovens não demonstraram esta oposição à televisão e reforçaram encontrar neste meio um espaço de entretenimento e diversão.

4.1 Os programas

Os programas citados, pela maioria das pessoas, 24, como os mais assistidos foram às novelas. Entre as preferidas estão: a novela das 18 horas, que na época era Cabocla, e a das 21 horas, que era Senhora do Destino, ambas transmitidas pela Rede Globo. Muitas pessoas não admitiram diante da pergunta: o que você costuma assistir na televisão, que assistem novelas e tiveram que ser instigadas sobre este costume. Muitas afirmaram que não assistem sempre, mas de vez em quando.

Em segundo lugar, quase tão citado quanto às novelas, está o Jornal Nacional, por 21 pessoas. Também foi citado o RBS Notícias (telejornal da RBS/TV), por 11 pessoas e o Jornal do Almoço, por seis pessoas. Interessante destacar que das 30 pessoas entrevistadas 16 evidenciaram, em primeiro lugar, logo após a pergunta: o que você costuma assistir na televisão, que assistem a algum programa jornalístico, ou, de forma simples disseram "as notícias". Os integrantes do sexo masculino e as pessoas de idade mais avançada mostraram maior interesse pelos noticiários, enquanto que as mais jovens admitiriam claramente a preferência pelas novelas. Os filmes foram citados por 4 pessoas e os jogos de futebol por 3 pessoas, costumeiramente assistidos aos finais de semana. Nos finais de semana os programas mais assistidos são: Faustão (12 pessoas), Fantástico (6), Programa do Didi (3).

Entre os motivos que levam as pessoas a assistirem televisão, citados por sete pessoas, estão a busca de distração e divertimento. Cleci, apesar de dizer que assiste principalmente programas jornalísticos na TV, destaca que o momento que está à frente do aparelho é de distração. "Esquece das outras coisas. Pelo menos naquele momento". Saber o que acontece e saber das notícias foram motivos citados por sete pessoas e aprender e saber mais, também por sete. "Ficar sabendo alguma coisa diferente. Não sabe nada do mundo senão", relata Ondina. "Aprende cada vez mais. A gente não pode estudar muito. O que interessa eu guardo. Globo Rural é o que mais me interessa. É o que a gente mais aprende", diz Renata.

Algumas pessoas apontaram mais de um motivo pelo qual assistem a televisão. "A gente está de folga daí olha. Às vezes tem programas interessantes. Diversão. Passa tempo", evidenciou Roberto. Outras não souberam identificar o porque assistem televisão ou destacaram que assistem por costume, porque a televisão está ligada ou para passar o tempo "Sei lá. Costume né. Acho interessante ver as novelas", disse Carine. "Para passar o tempo", respondeu Vilson.

Muitos entrevistados disseram assistir televisão no máximo até 21 ou 22 horas. Isto deve-se ao cansaço do trabalho na lavoura e também a necessidade de acordar cedo todas as manhãs para ordenhar os animais e iniciar o trabalho na lavoura.

4.2 O Meio Rural na TV

Visando saber se os programas agropecuários e/ou rurais, apresentados pela televisão têm a audiência desta população, questionamo-os sobre a freqüência com que assistem estes programas. Cinco pessoas disseram que nunca assistem os programas agropecuários e 25 disseram assistir sempre ou freqüentemente, os programas, principalmente o Campo e Lavoura, transmitido pela RBS/TV, todos os dias e o Globo Rural transmitido pela Rede Globo, aos domingos pela manhã. A audiência é maior nos finais de semana. Também foram citados os programas apresentados pelo Canal Rural, Canal do Boi e SBT.

As pessoas que assistem freqüentemente destacaram gostar muito dos programas agropecuários, pois trazem informações interessantes para o seu dia-a-dia e técnicas que podem ser aplicadas. "Mostra muita coisa interessante nestes programas rurais. Eu aprendi e utilizo sempre urina de vaca para combater insetos no tomate e feijão", conta Renata. "Falam da agricultura. Sempre a algo que se aprende. Está sabendo o que está melhorando. Novas tecnologias", diz Mario. "Aprende alguma coisa. Aprendi usar água de cebola para besouro no tomate, couve e pepino", lembra Luíza. "Explica técnicas de cultivo. Programa que dá para tirar proveito" destaca Douglas (12 anos).

Algumas pessoas, mostrando resistência a mudanças, como Vilson, dizem que os programas apresentam algumas técnicas que são inviáveis. "Muito instrutivo. Mas aplicar aqui pouco adianta. Estamos fazendo isso a anos e não adianta mudar", explicou Vilson.

Mostra-se nestas expressões um confronto de técnicas de produção modernas e tradicionais, que identificam um hibridismo cultural nas atividades produtivas da população.

5 O rádio é o meio mais presente

O rádio é, sem dúvida alguma, o meio de comunicação mais presente na vida cotidiana dos agricultores familiares da região noroeste. É através do rádio que a maioria diz ficar sabendo dos fatos que acontecem na região, dos preços dos produtos agrícolas, dos anúncios de falecimento, e também encontrar diversão, principalmente ouvindo música. "Se estou dentro de casa o rádio está ligado. Se estou fazendo vassoura estou ouvindo. Se entro no carro a primeira coisa é ligar o rádio. Gosto de ouvir música. Entreter o tempo", conta Roberto. "O rádio está sempre junto quando estou trabalhando. É o que mais ouço. É que a gente faz vassoura daí a gente vai pro galpão e o rádio vai junto.", evidencia Cíntia. "Estou sempre ouvindo. Gosto de saber o que acontece. Gosto muito de música" complementa Augusto.

O tempo de audiência ao rádio por dia varia de uma família para outra e também de acordo com a época do ano, enquanto algumas famílias permanecem com o rádio ligado o dia todo outras ouvem somente programas específicos. "A gente está na cama e já liga o rádio... Não escuta o programa todo, escuta um pouquinho e já tem outro serviço para fazer. Lava a louça e fica escutando", disse Cleci. Nos períodos em que confeccionam vassouras, em permanecem tempo trabalhando no galpão, a audiência aumenta, enquanto que nos período de plantio ou colheita na lavoura a audiência diminui.

A audiência é maior no período da manhã e as rádios mais ouvidas são as seguintes: Rádio Noroeste AM, de Santa Rosa (citada por 25 pessoas), Rádio Guaíra FM, de Santa Rosa (8), Rádio Cidade Canção FM, de Três de Maio (7), Rádio Santa Rosa AM (6), Rádio Mauá FM, de Tuparendi (5). Com exceção da Rádio Gaúcha, citada por uma pessoa, todas as demais são emissoras locais e regionais.

Os programas mais ouvidos são, no geral, os musicais, citados por 24 pessoas. Na seqüência vieram os programas de caráter informativo. Os mais ouvidos são os Programas das Cooperativas Agropecuárias, citados por 14 pessoas, principalmente por trazerem os preços dos produtos agrícolas e informações relacionadas diretamente a vida dos agricultores. "Para saber das promoções, preço dos produtos. A gente é associado da Cooperativa. O programa também é da gente" evidencia Jorge. Logo depois foi citado o Programa do Zelindo Cancian, por 12 pessoas, que é um programa popular e de ajuda comunitária. "Ele (radialista Zelindo) ajuda muitas pessoas. Se esforça para ajudar. Quando posso também ajudo. Já ajudei com roupas", conta Renata. Foram também citados, o programa do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, o programa da Ascar-Emater/RS, o programa de entrevistas Ponto e Contraponto, o plantão policial, o culto e programas religiosos.

Uma pessoa destacou que somente ouve o Programa de Notícias do Jaime Costa, na Rádio Gaúcha, transmitido por volta da meia-noite. "Importantíssimo este programa. Notícias consistentes. Perguntas sérias. Ouvinte pode interagir", evidencia Mario. Este agricultor destaca-se entre os demais pelo elevado nível de conhecimento. É uma pessoa, que apesar de ter estudado pouco, está sempre muito informado sobre diversos assuntos. Além de ouvir rádio, costuma ler jornais semanalmente. É a única família que possui assinatura de jornal.

6 O receptor

A partir das respostas apresentadas nas entrevistas, podemos destacar que o receptor tem uma autonomia relativa diante da mídia. Martin-Barbero justifica dizendo que o receptor não é totalmente independente e soberano, ou seja, não é somente aquilo que ele tem vontade e interesse que ele utiliza, que assiste ou lê. Ou seja, o poder não está todo nas mãos do receptor em decidir. Assim, não menosprezamos o caráter hegemônico e capitalista da mídia e fica evidente que o receptor não faz o que quer com a mensagem, mas há no processo de recepção, um modo de interagir não só com as mensagens e aparatos, mas com a sociedade, com os outros atores sociais. A recepção configura-se um processo de negociação de significados, em que estão em jogo os objetivos e interesses do emissor, a polissemia de sentidos do texto e o contexto e a formação do receptor. A visão negociada, segundo Stuart Hall (2003) contém uma mistura de elementos de adaptação e oposição, conferindo visão privilegiada as definições dominantes dos acontecimentos, mas reservando o direito de fazer uma aplicação negociada as condições locais e suas próprias corporativas. As lógicas da situação negociadas são sustentadaa por suas relações diferenciais e desiguais com discursos e lógicas de poder.

7 O baixo índice de leitura

O índice de leitura entre os entrevistados, tanto de jornais, livros e revistas é muito baixo. A maioria dos agricultores não tem acesso a meios impressos de informação ou não tem interesse em busca-los. Acredito que isso acontece devido ao baixo nível de escolaridade que dificulta a leitura e as dificuldades de visão, problema citado por várias pessoas.

Das trinta pessoas entrevistadas, apenas 10 disseram ler jornal. Destas, três pessoas lêem de 1 a 2 vezes por semana, uma lê a cada quinze dias e quatro apenas uma vez por mês. As outras duas disseram que apenas lêem jornal quando ganham alguma edição ou encontram a disposição em algum lugar que freqüentam. Somente uma família, da qual foram entrevistadas duas pessoas, tem assinatura de jornal e recebe semanalmente as edições em casa. Outras quatro pessoas disseram comprar edições de jornais nos pontos de venda e as demais que ganham e/ou recebem de instituições, como igreja e/ou cooperativa. As manchetes principais, as informações policiais sobre acidentes e mortes, as notícias relacionadas ao meio rural, os preços de produtos agrícolas e de carros são os assuntos mais lidos.

Revistas são lidas apenas por três pessoas, porém nenhuma tem assinatura e diz comprar nas bancas e mercados. As demais pessoas disseram que quando encontram alguma revista disponível em locais que freqüentam e/ou quando ganham alguma edição de amigos ou vizinhos costumam folhear e ler algumas partes. As revistas que tem informações sobre a televisão e artistas são as que mais atraem. Em segundo lugar estão as revistas de venda de produtos, como roupas ou maquiagens e as de moda.

Livros são lidos freqüentemente por oito pessoas, sendo que destas, três são estudantes. Outras cinco pessoas dizem ler livros às vezes. Dezessete pessoas disseram que nunca lêem livros. Alguns entrevistados destacaram que quando chove tem tempo para leituras. "Quando é dia de chuva, se acho algum livro pelos cantos eu leio para passar o tempo", destaca Oscar. Os livros mais lidos são os de histórias, romances e literatura e também a Bíblia e os livros religiosos. Foram destacados também os livros da escola dos filhos, de receitas, de comédia e poemas.

A maior freqüência de leitura é das pessoas que estudam, principalmente porque a escola exige. Porém, surpreendeu a expressão de muitas pessoas, em torno de 10, que mostraram gostar muito de ler. Estas lamentam não ter muito tempo disponível e nem acesso a livros. "Eu gosto de ler. Depois que a gente se aposentar vai poder ler mais", espera Oscar. "Se eu leio e acho interessante, quero chegar até o final. Lendo a gente aprende muito. A gente se desperta um pouco mais para as coisas" disse Cíntia

Considerações finais

A partir desta pesquisa exploratória pude conhecer os hábitos de consumo dos meios de comunicação entre os agricultores familiares da região noroeste do Rio Grande do Sul. Estas informações serão fundamentais para o desenvolvimento da minha pesquisa e dissertação de mestrado que pretende investigar em maior profundidade as formas de recepção das informações ambientais, transmitidas pela mídia, entre os agricultores. Este é um trabalho inicial de pesquisa, por isso as informações aqui apresentadas são superficiais, e demonstrativas de algumas características da participação da mídia na vida da população rural, sem a pretensão de comprovar ou afirmar definitivamente nenhum dado.

Mesmo sendo um trabalho inicial percebeu-se, a partir das entrevistas realizadas, como é importante conhecer o contexto em que está inserido o sujeito-receptor, quais são as suas rotinas diárias, costumes e valores familiares, origens históricas, ou seja, quais as posições que o sujeito-receptor ocupa ao receber as mensagens da mídia e as mediações que perpassam este processo de recepção, para entender os sentidos produzidos.

A mídia faz parte da vida dos agricultores de forma bastante distinta das populações urbanas. Fatores como o trabalho exaustivo nas lavouras e o baixo nível educacional fazem com que o acesso aos meios de comunicação se torne mais restrito. Mesmo assim, pode-se afirmar que a mídia tem grande importância na informação desta população, que normalmente vive distante dos centros difusores de conhecimento. É através da televisão e do rádio, principalmente, que os agricultores familiares pesquisados ficam sabendo o que acontece na região, os preços dos produtos agrícolas, enfim as notícias do mundo todo.

Os meios de comunicação são também para esta população, com pouco acesso a diversão e entretenimento, uma forma de distração e de desligar-se dos problemas e atividades diárias. A audiência aos meios é, porém, mediada por muitos aspectos, como idade, trabalho, sexo, costumes, cotidianos, valores morais, que justificam um estudo mais aprofundado sobre os meios de comunicação no cotidiano desta população.

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Notas

1 Graduada em Jornalismo pela Universidade de Passo Fundo, pós-graduada em Humanidades, pela Universidade Regional do Noroeste do RS e mestranda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

2 As casas foram escolhidas aleatoriamente e foram entrevistadas as pessoas que se dispuseram a dar entrevista, sem distinção de sexo ou idade. Assim em algumas casas foi entrevistada apenas uma pessoa, enquanto que em outras, duas ou até três pessoas da mesma família concederam a entrevista. Porém, cada questionário foi aplicado somente com a presença do pesquisador e um dos entrevistados, para que as respostas e a presença de outra pessoa não influenciassem nas respostas.

3 Os nomes de todos os entrevistados são fictícios, para preservar a sua privacidade


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