Revista F@ro Nº2

Do Simulacro à Simbologia Cerimonial: um Tapete Vermelho.

Silvia T. Liberatore
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Resumo: A acumulação de conhecimentos adquiridos pelos grupos e transmitidos por gerações, com ou sem adaptações ou evolução, é experiência que só pode acontecer quando há utilização de signos compreensíveis apenas com a observação àqueles que, mesmo não participando diretamente da ação original, podem aprender a cada vez que acontece sua reprodução. E para que isso efetivamente aconteça, todas as formas de cultura utilizam fartamente a idéia do simulacro como forma de (re)construção de uma não-realidade que efetivamente possibilite a transmigração de realidades de forma atemporal, descondicionada de tantos aspectos que marcam e datam situações e experiências culturais, e por essa limitação poderiam inviabilizar seu entendimento e limitam sua efetividade. A escolha de metáforas para representação de idéias, oferecendo dados imaginários que podem ensinar até mesmo maneiras de percepção e de interpretação, marca especialmente a história humana, e acontece muitas vezes sem clareza objetiva, na mesma medida em que oferece a permanência de alguns símbolos e respectivas significações, das quais muitas nem sequer tomamos conhecimento, e às quais possivelmente não damos atenção pelo hábito já arraigado de sua utilização. Nesse sentido, como formalização da ordenação de um mundo no qual podemos viver e conviver, que incluem-se entre outros objetos simbólicos os tapetes, objetos criados para serem inicialmente, apenas objetos de conforto para as habitações humanas. A evolução desse tipo de conforto mostra, e de modo bastante objetivo, muito a respeito dos vínculos que transmitindo informações como legítimos vínculos comunicacionais, alteram o conhecimento e o reconhecimento dos indivíduos, grupos e sociedades por si e em si mesmos. Como símbolos de distinção, estabelecem conexões de relacionamento entre acontecimentos e de conhecimento partilhado entre indivíduos, de tal forma que para marcar poder econômico e social foram utilizados desde muito cedo nas civilizações, e até hoje, em grande número de culturas muito diferentes entre si. Sua utilização - sob qualquer formato -, como símbolo de poderes sociais, econômicos ou institucionais, e em especial o tapete vermelho em suas duas formas de uso mais freqüente, como caminho demarcado e como espaço de estar sobre, está presente em rituais e cerimônias organizadas com os mais diferentes objetivos, a partir dos quais seu significado tem variado, porém mantido sempre com o mesmo sentido de organização de pensamentos, idéias e atitudes, representando a realidade do grupo social para todos os participantes na cerimônia.Assim é que aparece em situações que já nada mais tem a ver com os momentos que lhe deram origem, como cada ação mercadológica exemplificadas como no famoso tapete vermelho da TAM (companhia de transporte aéreo) ou da cerimônia do Oscar em Hollywood. Como simulacro de situações de reverência, poder e sucesso, abriga ou faz ostentar situações que nada tem a ver com seus reais objetivos. A delimitação do espaço em si - do real para o abstrato -, para exposição especial ou como um caminho também especialmente traçado - o objeto e a idéia associada -, materializa e formaliza relações corporativas, corporificando, explicitando, sem discriminar o falso e o verdadeiro da situação e em suas implicações, sejam positivas ou negativas, ordenando - a critério do organizador - o contexto como um texto cultural, pela intervenção direta do objeto que é o tapete vermelho e seus significados, apresentando claramente o modelo e o simulacro, em qualquer de seus muitos valores atribuídos e transmitidos pela cultura ritualizada.

Palavras chave: Simulacro, Comunicação, Percepção, Símbolos, Signos, Vínculos Institucionais, Cerimonial nas Organizações.

"Quando um indivíduo toca um objeto, ele o contamina com humanidade, com complexidade cultural, com subjetividade. Quando um corpo é tocado, ele é contaminado com significados históricos." (Araújo, 2002: 230)

Que tipo de discussão é esta e qual a sua importância? Será que é importante sequer pensar sobre a existência e uso de um tapete? E existe diferença entre quaisquer tapetes e um tapete vermelho, em especial? São muitas as perguntas que podem ser feitas a partir deste nosso objeto de estudo, justamente porque estando tão presente em nossas vidas acaba por se tornar invisível, tão naturalmente incorporado ao dia-a-dia. O que se deve pensar é como essa invisibilidade, esta incorporação do objeto, pode fazer valer idéias e condicionamentos comportamentais para os quais não temos dado atenção suficiente.

Tapetes estão junto ao homem desde o primeiro momento em que, descendo das árvores seu primeiro ambiente natural, para explorar novos territórios agora utilizando os dois pés para caminhar e as duas mãos para segurar e armazenar (ou seja: dar posse), sentiu necessidade de descansar sobre alguma coisa mais confortável do que o solo duro ou frio, ou úmido, ou de qualquer outra forma indesejado, e juntando folhas, fez um chão mais macio para se acomodar.

Para se defender do frio das paredes e da solidão, pendurou tapetes tecidos em desenhos de honra e religiosos, e carregou consigo esses tapetes, para que novos espaços lhe fossem tão familiares como os antigos... Depois, tendo conseguido o conforto, e com a evolução técnica em todos os sentidos, foi natural que o espaço confortável para estar, fosse também utilizado como espaço confortável para caminhar. E ainda mais do que apenas confortável física e espiritualmente, também a segurança do caminho conhecido, trilhado e marcado.

Quantos e quais são os tapetes e suas diferentes formas, usados em cerimônias e rituais de tantos objetivos? Como entender a riqueza de sua utilização, se não for estudada a sua origem, que é quase tão antiga como a da humanidade, a partir de sua forma mais rústica, como forração do chão para maior conforto ao dormir, por exemplo?

A complexidade da vida social tem sido analisada de inúmeras formas, sempre em busca de respostas que não serão encontradas pela especialização em alguma área de conhecimento, mas só poderá ser entendida, ainda que parcialmente, pelo olhar atento e ao mesmo tempo abrangente, da multidisciplinaridade.

Será um olhar curioso, de certa forma ingênuo, que poderá capturar a profundidade da significação de certas escolhas, feitas há muito e muito tempo, tanto que já não se consegue datar, e que indica a importância de objetos usados em rituais, aparentemente só compartilhando o espaço cerimonial, mas na realidade, entregando e fazendo entender exatamente a mensagem e o valor que sustentam o sistema organizacional.

Compreender melhor o homem e sua evolução só é possível pela observação daqueles ritos e símbolos que foram criados para atender às suas necessidades de organização social.

Perniola faz a relação entre o que Heidegger chama de mundo verdadeiro e o mundo aparente, em "Introdução à Metafísica", na relação entre "ser" e "parecer", discutindo a aparência como:

1. o aspecto como esplendor (Glanz) e como reluzir (Leuchten);

2. o aspecto como um aparecer (Erscheinen), como um vir-a-ter aspecto;

3. o aspecto como puro aspecto (als blossen Schein)(Perniola, 2000:148)

Aceitar essas afirmativas faz seguir a discussão sobre aparência em três conceitos, o que leva ao conceito de simulacro1 :

1. o fenômeno em si: "aquilo que se mostra em si mesmo",

2. o parecer: "aquilo que tem aparência de..., mas que, "na realidade", não é o que aparenta ser,

3. a pura aparência: não é, e não mostra, designa a aparência que oculta, não mostra. É este conceito que compreende os indícios, representações, sintomas e símbolos.

Campbell conta sobre o que podemos chamar de "caminho do faraó", com muita pompa, em rito tradicional de renovação de poder. Quando precedido de seus quatro estandartes, o faraó andava para cada lado "como a naveta de um grande tear", refazendo figurativamente o tecido social e religioso que lhe dava a sustentação política.

Essa cerimônia constava de seis passos assim descritos

1. Paramentações preparatórias, bênçãos e consagrações

2. Procissões introdutórias

3. Ritos propiciatórios à consumação

4. A consumação do sacrifício (ou seu equivalente)

5. O pedido de benefícios

6. Ação de graças, bênçãos finais e despedida. (Campbell,1994:67)

Ou seja, os quatro estandartes como pontos cardeais demarcam o território, o qual apenas aqueles que usam a paramentação especial podem utilizar como introdução (chegada) ao espaço preparado pelos ritos para a consumação do sacrifício. Espaço de honra, sacralizado pelo processo do cerimonial, é dele se fazem as bênçãos finais, ainda que todos os presentes, participantes ativos ou assistentes, possam fazer seus pedidos de benefícios. Com pequenas variações, rituais religiosos, empresariais e governamentais dos dias de hoje podem ser assim descritos.

Muitos são os exemplos citados e documentados, pelos quais se pode ter a visão do significado do tapete vermelho que forra o chão de plataformas, tablados e de palcos, demarcando o espaço e o caminho daqueles que devem estar ou chegar lá, e podem olhar o percurso em todo o seu contexto e complexidades.

Cenário teatral para Ricardo III, como um rio de sangue, ou espaço de imolação para Agamenon - por Climnestra -, o tapete vermelho sempre esteve no imaginário humano, até mesmo como o caminho de Apolo, estrada para o carro do Sol na mitologia grega, mas de forma bem real - e também muito cenográfica - como no assassinato do presidente egípcio Awnar Al-Sadat, em 6 de outubro de 1981.

Uma das instituições que sobrevive, tanto em rituais da Nova Zelândia quanto em rituais celtas, é andar descalçado sobre brasas, que aparece nos rituais de purificação ou quando caminha-se pelo amor de alguém, indo-se além dos limites humanos mais comuns.

Instituições religiosas usando tapetes não são novidade, assim como instituições governamentais que associam à imagem de seus dirigentes poderes de características divinas, para ordenar e organizar o grupo social, facilitando o desempenho de atividades e até, em muitos casos, ir além, usando explicitamente características funcionais de divindade. A Igreja cristã, institucionalizada, herdou de cerimônias pagãs a longa passadeira sobre a qual a noiva deve atravessar toda a nave da igreja para ir ao encontro do noivo, no altar.

Tanto unidade como separação entre autoridades seculares e religiosas podem ser observadas desde contextos arcaicos, como situações arquetípicas em grupos com maior ou menor desenvolvimento social e intelectual, até naqueles dos quais se esperam atitudes completamente racionais, como em grupos de cientistas, por exemplo.

Neste caso pode-se observar a cerimônia de entrega do prêmio Nobel, pela Academia Sueca2 , realizada com a nominação de cada categoria3 em separado, porém a cada vez com todos os elementos que associam (pelo ritual) ou desassociam (pela cor) a Academia4 , o poder secular (laico) e a religiosidade implícita, já que aqueles premiados fazem parte de um grupo especial de seres humanos, reconhecidos como superiores - destacados por seus talentos, conhecimentos e seus trabalhos - aos outros que formam a grande massa da humanidade semelhante e comum.

O tapete usado na ocasião da entrega dos prêmios é azul (cor nacional sueca), o que chama ainda mais atenção para o fato de que a placa referencial é entregue sobre placa vermelha e suporte vermelho, o que destaca o suporte não apenas dos pés, mas também de transporte, e isto pode dar à situação o entendimento naquele mesmo nível intermediário (como espaço liminar tal como em Gennep, 1977), agora especificamente reservado aos cientistas, como o tapete azul.

É importante notar que na Biblioteca desta mesma Academia, usa-se uma passadeira vermelha entre as estantes que guardam os trabalhos laureados, situação que mostra não só a aceitação do novo premiado, mas sua integração definitiva ao especial "grupo do saber", à situação diferenciada.

Uma outra Academia5 , muito mais popular por estar ligada à diversão e o lazer de massa, entrega anualmente uma premiação para produções cinematográficas, e tanto e tão fortemente tem usado a metáfora do tapete vermelho para diferenciar aquelas pessoas especiais como mitos modernos que representam beleza, amor e sucesso, em desafios onde muitos concorrem e poucos chegam ao final - o auditório onde se realiza a entrega da pequena estátua -, que basta a menção ao tapete vermelho para a caracterização da concorrência na escolha dos premiados.

Em um ou outro caso, sempre a transferência do poder maior - divino - se faz com indicações subjetivas, com tanta ou maior efetividade do que aquela (transferência) feita explicitamente, com a autoridade religiosa declarando a "estado de divindade" transferência objetivamente.

O filme "O Grande Ditador"6 , considerado um clássico da cinematografia, traz uma seqüência de cenas que mostram de forma clara a necessidade de marcar posição por parte de dirigentes políticos.

O visitante, o ditador do país Bactéria, Benzino Napaloni, chega de trem à plataforma da estação onde o ditador da Taimainia, Adenois Hynkel o aguarda com um número enorme de fotógrafos e um tapete vermelho que é carregado às pressas para um lado e outro, até que o trem finalmente pára. O tapete é então adequadamente estendido no chão, como caminho deferencial para Napaloni e esposa.

É ela (a esposa) que questiona várias vezes por que precisam esperar o tapete ser colocado, e ele responde "Me! Napaloni will never get out without the carpet!7 ", justamente por concentrar a atenção sobre o tapete: o foco das luzes e objetivas dos fotógrafos.

É a marcação especial por alguma forma de vermelho nesses tantos caminhos, e que certamente ajudam na seleção, estabelecendo e indicando diferenças entre aqueles que são fundamentalmente iguais em sua natureza humana.

Seguindo pelo desejo e com imaginação mostram uma capacidade maior que seus semelhantes em qualquer atividade, área de saber, coragem física ou moral, ou mesmo uma temeridade irracional ao enfrentar desafios, com caminhos traçados pelas palavras, pela poesia, pela música, e marcados por cores ou objetos que podem sugerir ou explicitar seus papéis. Não precisam necessariamente mostrar nada, ou quase nada de si próprios, deixando que cada um construa e entenda como melhor lhe servir o conhecimento, e assim viva seu próprio caminho, seu próprio destino.

Daí procurar entender situações cerimoniais que tenham representatividade e sejam compostas por rituais que compreendam papéis e mitos, e que podem não aparecer claramente à primeira observação, mas estão lá, atuando num jogo de interesses, necessário à vida e à organização social.

Como os vínculos de manutenção da sociedade são alimentados por cerimoniais criados com as mais diferentes formas, utilizam os mais variados instrumentos e ferramentas como extensões das capacidades e habilidades humanas, suprindo as deficiências que podem comprometer sua própria sobrevivência, porém seu objetivo é um só, sempre e invariavelmente, o estabelecimento de um processo de relacionamento que passa, necessariamente, pelo processo de comunicação.

Entender a comunicação pelas extensões construídas pelo homem para suas capacidades individuais inclui entender o modo de vida e objetivos desse indivíduo que não vive sozinho, que se encontra em grupos sociais com maior ou menor grau de organização e de desenvolvimento, quer sejam mais, ou menos, culturalmente fechados.

Trabalhando com os mesmos princípios de cumulatividade e retroatividade, que fundamentam o entendimento de cultura, todos os tipos e formatos de mídia desenvolvem e aumentam a capacidade comunicacional não só de indivíduos, mas também de sua coletividade organizada política, empresarial e socialmente.

Contra qualquer expectativa, tendo em vista o desenvolvimento tecnológico e comunicacional, pode-se ver claramente que a manutenção de uso do tapete vermelho como marca de distinção tem tido mais e mais repercussão, com toda a visibilidade que lhe é possível, intensa e imensamente, por meio dos meios eletrônicos de comunicação como a televisão e a Internet (ou www).

Chega a ser nome de situação, de organização e evento, por si só e dado o significado associado ao objeto. Em McLuhan (1968) encontramos afirmativa próxima ao tapete vermelho, nosso objeto de estudo, quando aponta vestuário e habitação como meios de comunicação por moldarem e recombinarem estruturas de associação e de comunidade. Como extensões da pele para controle térmico, são objetos produto da cultura que, por meio da significação comparativa de sua espécie, qualidade e forma de uso, estabelecem também classificação e ordem de relacionamento social.

Nesse sentido, acompanhando Bystrina (in Baitelo,1998) tratamos dos códigos pelos quais as comunicações operam: pelas informações bioquímicas, ordem hipolinguística como código primário; por signos, em termos de linguagem ou ordem social como código secundário; e como código terciário, por símbolos que se tornam mais complexos conforme a ordem cultural ou hiperlinguística se expande em textos imaginários.

A evolução do homem e da característica humana da produção de símbolos e de expressões lingüísticas cheias de significados, a sua organização por objetivos estão presentes em muitos exemplos aqui citados.

Visto como prolongamento da mídia primária, um tapete vermelho será comunicação pelo corpo (Araújo, 2002), com seus recursos naturais de presença: mensagem explicitada com logotipo, por exemplo; para conforto; como espaço restrito ou amplo; com objetivo de acolhimento ou de espaço com diferença marcada e marcante, reiterada. Como mídia secundária, abre espaço próprio pela facilitação do envio de mensagem, puxando a atenção para aquele espaço delimitado, de forma que apenas sua presença já transmita os significados a serem captados sem (nenhuma ou) grandes distorções; e é interessante verificar, em termos de mídia terciária, como nos veículos eletrônicos, tapetes vermelhos aparecem como elementos de ligação, caminhos entre as diferentes páginas do sites.

Contra qualquer expectativa de contemporaneidade, a manutenção de uso do tapete vermelho como marca de distinção tem cada vez mais repercussão, com toda a visibilidade que lhe é possível, intensa e imensamente, por meio dos meios eletrônicos de comunicação como a televisão e a Internet (ou www), onde serve de elemento de ligação entre as páginas do site de uma conhecida companhia aérea brasileira.

É como afirma Araújo:

"A reflexão sobre a sociedade das comunicações remete necessariamente para a questão do poder no mundo contemporâneo uma vez que são as comunicações que constroem a representação das coisas e, portanto, definem a realidade."(Araujo, 2002:225)

Assim acontece quando, ao examinar situações reais, verificamos que o próprio indivíduo diferenciado pelo convite / autorização de uso do piso especial, está tão ou mais segregado do que aquele que está fora do espaço. Ele é tão limitado ou proibido de ir além do limite demarcado, quanto o outro é proibido / inibido a invadi-o, recebendo a sua mensagem com a mesma eficiência que qualquer outro participante do ritual.

E, no entanto, da mesma forma há uma incitação intrínseca à desobediência aos limites impostos pela definição dos "espaços de honra" quando se quer a sempre maior aplicação dos funcionários para melhorarem a qualidade de seu trabalho, de modo a merecerem participar do cortejo sobre a passadeira vermelha, e que podem, ou ainda que devem estar sobre o tapete vermelho da sagração, o espaço sagrado destinado aos que são especialmente destacados.

É nesse sentido que é preciso planejar o cerimonial já conhecido, ou o novo que se queira implantar. Tal como conhecimentos agregados pelo conhecimento, novos ritos podem ser criados com sucesso por meio de cerimoniais que dêem margem a associações com raízes culturais em outros campos conhecidos, ou reconhecidos, não necessariamente da organização, mas que estejam na base da cultura do grupo social, organizada pela memória coletiva.

O indivíduo é convidado a passar pelo tapete vermelho, a mostrar a diferença entre ele e os demais, mas o objetivo da existência desse mesmo tapete vermelho é dar ilusão e esperança aos observadores, fazendo deles participantes mais ativos e obedientes às regras que mantêm aquele grupo ou sociedade coeso.

Ao tratarmos do grupo de pessoas que estão em situação de inter-conectividade, fazendo parte de uma organização que pode ter qualquer objetivo (social, político, religioso ou empresarial), estaremos tratando da forma como elas se relacionam, ou seja, da forma como elas se comunicam para ter a possibilidade de interferir em processos e procedimentos conforme objetivos, necessidade e interesses.

Tratar com a complexidade exige um efetivo gerenciamento de informações, com ordem e consistência, planejamento, estruturas e avaliação de resultados, o que pode (e deve) levar ao uso de entendimento e percepções próprios da segunda realidade (Bystrina, 1995 ) sobre objetos que atuam especificamente no plano da primeira realidade.

É aquele mesmo refinamento na capacidade do instrumento utilizado em relação à análise de variáveis, que se coloca aqui como indicação da utilização do tapete vermelho, tanto como espaço de passagem como espaço do acontecimento da ação. Esse refinamento significa a utilização, não porque "é bonito", mas porque conduz e reduz, informa e avisa, educa e condiciona, tanto o protagonista, o coadjuvante e o assistente das ações.

Quais seriam os tapetes vermelhos de outras circunstâncias?

A voz da avó que conduz o neto para seu colo pode ser comparada a uma passadeira vermelha, passagem invejada para seu carinho, um caminho de amor sem sobressaltos ou ameaças? O seio da mãe pode ser o tapete vermelho do acalanto, do carinho especial, espaço sagrado para se estar em segurança e conforto?

Ou outros símbolos de status funcional, que são tão variáveis como andares e tamanho de salas e de automóveis, ou o número de secretárias ou assistentes, por exemplo, são símbolos materiais explícitos para o dia-a-dia, servindo para despertar a ambição mais do que para outro objetivo qualquer, parecendo depender apenas de opções pessoais.

Então é necessário entender também um pouco mais como "O mundo começa a conhecer, também, formas simbólicas cada vez mais complexas, que funcionam como mercadorias - não uma mercadoria qualquer, mas mercadorias plenas de sentido - especialmente feitas para significar e para serem consumidas, comercialmente, por aquilo que significam." (González, 2000:159)

Magia, diz Baitelo(1998), encantando, iludindo, desviando a atenção, enganando, com sentido (ou consentido?) próprio, com um propósito vinculador: vinculador entre indivíduos, vinculador entre grupos, entre organizações e sociedades, entre experiências e saberes, e de forma um tanto atrevida, acrescento: entre repertórios culturais, que se reinventam, se repetem e se reinterpretam.

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PERNIOLA, Mario. Pensando o ritual: sexualidade, morte, mundo. São Paulo, Studio Nobel. 2000.


Notas

1 Em Heiddeger , Ser e Tempo, in Perniola, 2000:148.

2 O título "Só os monstros não gostam de teatro" é uma referência direta ao segundo capítulo que abre a parte II do livro Os patinhos feios de Boris Cyrulnik, publicado em 2004.

3 Estas informações provieram das aulas do professor Norval Baitello, durante o seminário Vilém Flusser e as versões do objeto realizado no segundo semestre de 2003.

4 Essa descrição está no livro de Jennifer Barker WOOLGER e Roger J. WOOLGER. A Deusa Interior: 181.


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