Resumo: A presente investigação lança uma reflexão em torno da questão sobre os meios de comunicação - com especial ênfase à televisão -, o consumo e o papel do cidadão na era da globalização. Trabalhando sob a perspectiva da Pedagogia Crítica da Mídia, de Douglas Kellner, o trabalho apresenta uma proposta de fortalecimento da cultura e (re) legitimação da cidadania em um presente permeado pela cultura midiática.
Palavras chave:
Consumo; Cidadania; Globalização; Cultura da Mídia; Pedagogia Crítica da Mídia.
Este trabalho articula os meios de comunicação - sobretudo a televisão -, o consumo e a cidadania em tempos de globalização. A pesquisa será norteada pelos pressupostos teórico-metodológicos do norte-americano Douglas Kellner (2001), considerado um dos maiores representantes da corrente dos estudos culturais nos Estados Unidos.
Vivenciando um momento permeado pela ideologia midiática do consumo e do lucro, serão averiguados os pressupostos da Pedagogia Crítica da Mídia, de Kellner (2001), como proposta de libertação das mentes receptoras contribuindo para um maior - e melhor - exercício da cidadania.
Em maior ou menor grau, a globalização está em todo lugar. Faz parte de tudo ou quase tudo que remete à vida das pessoas: economia, religião, cultura, política etc. O embrião da globalização é o fim da Segunda Guerra Mundial, quando tem início um período que ficou conhecido como a "Guerra Fria", uma luta simbólica travada entre o capitalismo, defendido pelos Estados Unidos, e o socialismo, defendido pela então União Soviética.
Com o passar das décadas, o leste europeu começa a declinar. Isso ocorre mais precisamente em 1985, quando o então presidente Gorbachev adota medidas capitalistas de mercado. Com isso, ocorrem mudanças em vários níveis (não só econômicos, como também sociais, políticos e culturais, entre outros).
O declínio russo é consolidado (e simbolizado) com a queda do Muro de Berlim, em 1989, marcando, assim, a chegada definitiva do capitalismo ao leste europeu e o conseqüente enfraquecimento dos estados-nações, "tanto os dependentes como os dominantes" (Ianni, 1995: 39).
Antes do surgimento da globalização, o ato de exercer a cidadania estava ligado "[...] à capacidade de apropriação de bens de consumo e à maneira de usá-los". Neste sentido, as "[...] diferenças eram compensadas pela igualdade em direitos abstratos que se concretizava ao votar, ao sentir-se representado por um partido político ou sindicato" (García Canclini, 1995: 13).
Com o enfraquecimento da política, que gerou descrença nas instituições, outras formas de participação acabaram fortalecendo-se. O consumo privado de bens e os meios de comunicação começam a superar as realidades democráticas e a conseqüente participação do homem público. Ou seja, em uma nova era, permeada pelas imagens, pelo marketing e os meios de comunicação, a esfera e o debate públicos foram enfraquecidos em prol da globalização dos bens de consumo e das mensagens (também de consumo).
O capitalismo global agrava as contradições sociais em todos os setores e isso se dá mais fortemente "nos países dependentes, periféricos, atrasados, do terceiro mundo" (Ianni, 1995: 144). Com a globalização, os produtos se desterritorializam e, com isso, há, também, uma descentralização da mão-de-obra humana. Um carro, por exemplo, é constituído em vários países onde a mão-de-obra é mais barata. Conforme colocado anteriormente, nessa realidade, os trabalhadores "perpétuos" são substituídos pelos temporários, informais, o que ocasiona também o enfraquecimento dos sindicatos.
Segundo García Canclini (1995), a globalização origina descontentamento, sobretudo de duas maneiras: em primeiro lugar, existe a cultura do efêmero (o que é consumido torna-se, em seguida, obsoleto, descartável, fugaz). Há pouco interesse com o passado; e também com o futuro. O que importa é o presente, o imediato.
Em segundo lugar, há uma redução dos empregos com vistas à redução de custos. Neste cenário, mais de 40% da população latino-americana não possui trabalho estável, o que implica aumento do trabalho informal e temporário, conforme abordado antes. Além disso, outros fatores se agravam com o processo de globalização, tais como a violência, o narcotráfico, a miséria, o racismo, a falta de habitação, saúde e educação (García Canclini, 1995).
Através de uma perspectiva multicultural, García Canclini (1995) vê numa reforma do Estado, a possibilidade de avanços tanto no que se refere à aceitação do desenvolvimento de grupos diversos, minorias, quanto à garantia de acesso igualitário aos bens da era globalizante.
Sustentar essa realidade significa procurar alcançar um equilíbrio entre Estado e sociedade, que promova um "outro tipo de Estado". Repensando a cidadania como estratégia política nesse sentido, e também em conexão com o consumo, García Canclini (1995: 24) afirma:
Em outros tempos, o Estado dava um enquadramento (ainda que fosse injusto e limitado) a essa variedade de participações na vida pública; atualmente, o mercado estabelece um regime convergente para essas formas de participação através da ordem do consumo. Em resposta, precisamos de uma concepção estratégica do Estado e do mercado que articule as diferentes modalidades de cidadania nos velhos e nos novos cenários, mas estruturados complementarmente.
Ao rever os vínculos entre Estado e sociedade, deve-se "[...] levar em conta as novas condições culturais de rearticulação entre o público e o privado", as quais são, cada vez mais, perpassadas pelo "[...] crescimento vertiginoso das tecnologias audiovisuais de comunicação", o que traduz uma mudança quanto ao "[...] desenvolvimento do público e o exercício da cidadania". Estes mesmos meios deslocaram "[...] o desempenho da cidadania em direção às práticas de consumo". "Desiludido com as burocracias estatais, partidárias e sindicais, o público recorre ao rádio e à televisão para conseguir o que as instituições cidadãs não proporcionam: serviços, justiça, reparações ou simples atenção" (García Canclini, 1995: 24-26).
Nesse novo cenário, o papel da mídia começa a ser questionado, uma vez que parte dela demonstra ser "violenta" ao veicular informações superficiais, com carência de substancialidade, o que pode ser constatado nas notícias de variedades, nos talk shows; nos programas de auditório; nos programas de cunho investigativo, que buscam única e exclusivamente a audiência sob o véu falacioso da justiça, do ajudar pessoas. Assim, submetida ao lucro e à audiência, a mídia promove um sensacionalismo implícito ou explícito. Porém presente. Sempre presente.
A televisão destaca-se, cada vez mais, entre as principais indústrias culturais. Transmitindo informação e entretenimento, ela contribui, sensivelmente, para o crescimento da economia dos países e para a formação cultural dos cidadãos. Amparada pelas novas tecnologias, ocupa, cada vez mais, um lugar de destaque numa cultura mediada eletronicamente. Por isso, deve arcar com o compromisso de oferecer qualidade às pessoas, seja na informação ou no entretenimento.
Na era globalizante, a influência de um telejornal, por exemplo, é forte na maior parte do mundo, ocupando um papel de extrema importância na vida das pessoas em relação à imagem que estas constroem da realidade. Assim, a mídia televisiva acima de tudo, deve informar a sociedade baseada somente na verdade e no bom senso. No entanto, dentro desse "agendamento" feito pela mídia, insere-se a "violência".
Com o advento de uma sociedade global em que a ordem é consumir, a mídia, por diversas vezes, recorre a elementos afinados com a lógica sensacionalista, do superficial, do espetacular, do grotesco, do violento para que, desta forma, possa, além de manter a ordem vigente estabelecida, alcançar maiores índices de audiência.
Nessa (ir)realidade, as notícias de variedades, por exemplo, produzem a despolitização social, reduzindo a vida do planeta "à anedota e ao mexerico" (Bourdieu, 1997: 23). Ao que parece, hoje, os media e, em especial a televisão, vão além das cercas e muros das casas, pois isso é notícia. Para eles (os media), as fofocas ou a distorção contam mais que a informação e a veracidade dos fatos.
Por conseqüência, o Fait Divers (notícia sensacionalista) implica reflexões superficiais, e mostra, ao mesmo tempo em que oculta, buscando única e exclusivamente a emoção gratuita. Livre da substancialidade, logo, o consumidor transforma-se num mero colecionador de ilusões, onde o espetáculo é a palavra de ordem.
Possuindo um consumo imediato, e provido de um caráter atemporal, o Fait Divers, associado aos meios de comunicação, independe de estilo jornalístico, e mostra, ao invés de informar com veemência e aprofundamento, os fatos do dia, pois priorizam a superficialidade, com base no emocional.
Em seus estudos, Kellner apresenta notório interesse em averiguar as questões que versam contra a dominação e também contra as relações estruturais de desigualdade e opressão ressaltadas pelos estudos culturais críticos. Assim, nesta realidade, torna-se imprescindível e ao mesmo tempo enriquecedor
[...] analisar de que modo determinados textos e tipos de cultura da mídia afetam o público, que espécie de efeito real os produtos da cultura da mídia exercem, e que espécie de potenciais efeitos contra-hegemônicos e que possibilidades de resistência e luta também se encontram nas obras da cultura da mídia. (2001: 64)
Por isso, é importante estudar, além do texto, o contexto sócio-histórico. Desta forma, os estudos culturais podem ser considerados materialistas, "[...] porque se atêm às origens e aos efeitos materiais da cultura e aos modos como a cultura se imbrica no processo de dominação ou resistência" (2001: 49).
Adepto do método crítico histórico dialético, Kellner é um investigador que prima pela interdisciplinaridade, possuindo atenção voltada para os estudos da mídia. Nesse sentido, Kellner (2001: 38-39) afirma:
[...] a teoria social dialética estabelece nexos entre partes isoladas da sociedade mostrando, por exemplo, de que modo a economia se insere nos processos da cultura da mídia e estrutura o tipo de texto que é produzido nas indústrias culturais (. . .) a dialética é a arte de estabelecer nexos e relações das partes do sistema entre si e com o sistema como um todo. Portanto, uma teoria crítica da sociedade contém mapeamentos do modo como a sociedade se organiza como um todo, delineando suas estruturas, instituições, práticas e discursos fundamentais, e o modo como eles se combinam formando um sistema social.
Essa prática de estabelecer ligações entre as partes envolvidas no sistema, bem como a verificação de suas relações, recebe o nome de articulação. Este conceito traduz, portanto, o processo de organização do discurso midiático em seu contexto social. Assim, visualiza a forma pela qual as pessoas produzem cultura e, por outro lado, mostra como esta cultura é decodificada pelos indivíduos.
É na mídia que, atualmente, encontra-se a forma dominante de cultura (mercantilizada), a qual promove a socialização ao mesmo tempo em que fornece elementos de homogeneização da identidade das pessoas. Através de um véu sedutor que combina o verbal com o visual, a cultura da mídia - que é a cultura da sociedade - traduz uma ampla dependência entre comunicação e cultura.
Através desta inter-relação, os meios de comunicação divulgam determinados padrões, normas e regras, ensina o que é bom e o que é ruim, o que é certo e o que é errado; fornece símbolos, mitos e estereótipos através de representações que modelam uma visão de mundo (imaginário social) de acordo com a ideologia vigente.
Não obstante, freqüentemente, constata-se, no meio jornalístico, a ausência de elementos que abordem quesitos básicos da técnica jornalística, o que prejudica sensivelmente a formação dos cidadãos. Também, em muitas vezes, a cultura da mídia mantém o fato, mas, no entanto, direciona o enfoque ao seu bel prazer.
Observa-se também que todas as situações, todos os conflitos da atualidade são perpassados pela mídia. Inerente ao poder, ela consiste no centro de todos os acontecimentos do mundo contemporâneo. Nessa realidade, os mais diversos grupos sociais procuram utilizá-la a fim de divulgar suas ideologias à sociedade. Constata-se, portanto, que os meios de comunicação promovem uma verdadeira guerra entre dominados e oprimidos, estes chamados "forças populares". Na cultura da mídia, inserem-se as lutas e práticas entre dominantes e dominados. Entretanto, ainda prevalece, na maioria das vezes, o pensamento das camadas superiores na cultura midiática.
No entanto, a questão vai além disso. A cultura da mídia pode estimular a dominação social lançando mão, por vezes, de técnicas que visam a banalização de certos setores da sociedade, enfraquecendo-os, ao mesmo tempo em que pode incentivar a resistência e a luta contra as classes dominantes ao lançar mão de uma linguagem isenta, menos comprometida com o poder.
Cabe salientar, aqui, que não se trata de subestimar a inteligência do receptor. Muito menos afirmar que as notícias transmitidas são consumidas uniforme e passivamente. É evidente que o modo de absorção das informações varia de pessoa para pessoa. No entanto, não se deve superestimar a noção de receptor ativo. Tudo depende do contexto sócio-cultural de cada indivíduo.
Dentro dessa realidade, Kellner propõe a "pedagogia crítica da mídia", uma nova forma de ver e criticar a mídia, que acarreta resistência à manipulação e, ao mesmo tempo, promove uma tonificação do receptor com relação à cultura da mídia e à cultura dominante. Isso significa dizer que o receptor estabeleceria significados e usos próprios através da sua própria cultura, tendo, assim, plenas condições de discernir o conteúdo midiático, produzindo, conseqüentemente, novas formas de cultura.
Baseado nessas questões, Kellner (2001: 76) atenta para uma leitura política da cultura da mídia. Leitura política, aqui, [...] significa não só ler essa cultura no seu contexto sócio-político e econômico, mas também ver de que modo os componentes internos de seus textos codificam relações de poder e dominação, servindo para promover os interesses dos grupos dominantes à custa de outros, para opor-se às ideologias, instituições e práticas hegemônicas, ou para conter uma mistura contraditória de formas que promovem dominação e resistência.
A mídia dá recursos tanto para aderir quanto para resistir. A mídia não obriga ninguém a nada. Porém seduz e induz. Nesse sentido, Kellner adota a teoria gramsciana da hegemonia, que prega ser a cultura um autêntico campo de lutas entre diferentes forças. Atenta também para a dominação exercida por determinadas instituições e/ou grupos, que, muitas vezes, na função de aparelhos de Estado utilizam-se inclusive da força para manter o poder e a visão de mundo hegemônica.
Assim, Kellner desenvolve um conceito de diagnóstico crítico com o objetivo de detectar as tendências da política cultural da mídia, investigando "o que está por trás" da cultura da mídia, através de uma análise de suas mensagens, valores e ideologias. Qual é o enfoque dado pela mídia a determinado fato ou objeto? Embate real ou ilusório? Qual é o discurso utilizado para promover a formação de determinados tipos de identidade?
Para responder a estas questões, dentre outras, Kellner (2001) estabelece uma perspectiva multicultural crítica, a qual pressupõe uma interpretação da cultura e da sociedade que leve em conta as relações entre o poder, as forças hegemônicas e de resistência, mostrando as articulações existentes entre as diversas maneiras de opressão em uma certa realidade social através de perspectivas multiculturais, para que, desta forma, os textos culturais possam ser analisados de forma crítica, possibilitando encontrar posicionamentos dos mais variados, ligados a classes, raças e preferências sexuais, por exemplo.
Para isso, são adotados normas e valores que possibilitam fazer um estudo crítico dos "textos, produções e condições que promovam opressão e dominação". Neste sentido, são reconhecidos "positivamente fenômenos que promovam a liberdade humana, a democracia, a individualidade e outros valores que, por ele adotados, são defendidos e valorizados em estudos e situações concretas" (Kellner, 2001: 125).
Todavia, o estudo crítico multicultural da cultura da mídia tem o objetivo de relacionar suas teorias com a prática. Em compasso com as formas de resistência e contra-hegemonia, essa perspectiva crítica posiciona-se de maneira contrária à dominação, analisando não só as desigualdades estruturais, mas também as lutas dos oprimidos contra os dominantes no sentido de libertação.
Aliada a um estudo cultural crítico e multiperspectívico, adota-se uma abordagem interdisciplinar, multiperspectívica, que possibilite a interpretação, a crítica e a desconstrução da produção cultural. Conforme essa perspectiva, o autor (2001: 12) afirma:
Um texto é constituído por suas relações internas e pelas relações que mantém com sua situação social e histórica, e quanto mais relações estiverem expressas numa leitura crítica, melhor poderá ser a compreensão do texto. O método multiperspectívico deve necessariamente ser histórico e ler seus textos em termos de contexto social e histórico e pode também optar por ler a história à luz do texto.
Entretanto, Kellner salienta que os textos produzidos pela mídia não devem ser encarados pura e simplesmente como divulgadores da ideologia dominante, tampouco entretenimento puro e inofensivo. Muito pelo contrário, consistem em produções complexas, que envolvem "discursos sociais e políticos cuja análise e interpretação exigem métodos de leitura e crítica capazes de articular sua inserção na economia política, nas relações sociais e no meio político em que são criados, veiculados e recebidos" (2001: 13).
Dentro desse espectro, Kellner (2001: 130) sugere as contribuições "marxista, feminista, estruturalista, pós-estruturalista, psicanalítica e outras", que possibilitarão "uma leitura mais completa e potencialmente mais sólida". Quanto mais elementos forem utilizados em uma pesquisa - desde que pertinentes ao estudo - provavelmente melhor será o entendimento de "todo o espectro de dimensões e ramificações ideológicas de um texto". Em cada caso, portanto, as mediações e as orientações teóricas e políticas determinarão quais perspectivas serão mais relevantes.
Ao estudar os textos culturais midiáticos sob o prisma das relações entre ideologias, movimentos sociais e o contexto que os envolvem, inspirado pelo sociólogo Robert Wuthnow, Kellner (2001) lança mão de três categorias, a saber: horizonte social, campo discursivo e ação figural.
O horizonte social diz respeito às múltiplas relações, às práticas e experiências que se desenvolvem dentro do campo social, e que acabam, desta forma, por contextualizar o local, a época e o cenário em que se dá a produção da cultura da mídia bem como a recepção desta.
O campo discursivo contempla todos os elementos (hegemônicos e contra-hegemônicos, dominantes e dominados, superiores e inferiores) envolvidos no discurso da mídia. É justamente aqui que os gêneros midiáticos, tais como o telejornalismo, fazem-se presentes. Já a ação figural implica mostrar os desdobramentos sociais de acordo com o contexto do público, expondo, assim, os reflexos da cultura da mídia na sociedade.
Outra categoria importante é o impacto cumulativo. De acordo com interesses particulares, determinadas estruturas podem ser denegridas ou favorecidas pela mídia, quando esta promove cumulativamente imagens e discursos com o objetivo de afetar a concepção das pessoas. Essas "imagens ressonantes" vão ao encontro das mentes receptoras fazendo com que estas formulem concepções favoráveis, ou não, sobre os elementos envolvidos na questão. Neste caso, certas construções poderão correr o risco de resultarem em posicionamentos estereotipados e mecânicos.
Norteando essa realidade através da Pedagogia crítica de Kellner (2001), observa-se, no horizonte social, um cenário permeado pela lógica globalizante, em que a ordem é consumir. Neste cenário, assiste-se, na mídia, uma verdadeira corrida desenfreada pelo maior índice de audiência, onde as informações substanciais seriam deixadas de lado, fortalecendo, assim, a ideologia vigente. Constata-se, portanto, que, de elemento principal, o cidadão torna-se o alvo, "a mercadoria em questão" (Bucci, 2003). É ele que deve ser persuadido, conquistado.
O campo discursivo abriga, em seu cerne, portanto, os produtores de informação e os receptores desta. Na ação figural, a cultura da mídia televisiva promove uma subjetividade imposta com calibre sensacionalista. De forma implícita ou explícita, a "violência" está sempre presente.
Destarte, a mídia respira sob a égide capitalista e promove a "violência". Com o objetivo de manter o status quo, detectam-se, no dia-a-dia, várias formas de "violência" midiáticas, as quais acarretam um pensar fragmentado, efêmero, volátil, em perfeita sintonia com os ditames da globalização. Vivencia-se a cultura do efêmero; o triunfo do descartável.
No telejornalismo, por exemplo, percebe-se claramente a ausência das questões básicas de um lide jornalístico, a saber: "quem fez o quê?", "quando?", "onde?", "como?", "por quê?", "com que meios?", "em que circunstâncias?", e "quais são as conseqüências?". Ocorre, portanto, a primazia do "o quê?", do "quem" sobre o "como?" e o "por quê?". Esta carência de informação leva a informações descontextualizadas, por vezes sem nexo.
Nesse processo de banalização da informação, conforme abordado anteriormente, é óbvio que os receptores não reagirão da mesma maneira frente a uma notícia. Há muito não se pode considerar a máxima franfurtiana do receptor passivo. No entanto, a questão é outra: acima de todo e qualquer interesse, seja ele social, político, econômico, cultural ou ideológico, as informações transmitidas pelo emissor devem primar única e exclusivamente pela verdade e a ética. As revelações de meias verdades, embora não possam ser consideradas mentiras absolutas, distorcem fatos e prejudicam imagens, alcançando, por vezes, o mesmo efeito de uma notícia falaciosa. Na busca pelo lucro e a audiência, a cultura midiática é comercial. Numa realidade em que consumir é a palavra de ordem (e a cidadania, não), a produção da mídia consiste em mercadorias a serviço dos grandes conglomerados da comunicação.
Como foi visto antes, a cultura da mídia foi, há muito, englobada pelo mercado. A informação é um direito humano fundamental. É preciso democratizá-la e não tratá-la como simples mercadoria. Neste sentido, o esclarecimento ancorado pela Pedagogia Crítica da Mídia e a conseqüente participação efetiva da sociedade civil nas tomadas de decisões do Estado, poderiam impulsionar um verdadeiro exercício da cidadania.
Para Kellner (2001), a forma mais adequada de investigar a cultura produzida pela mídia (e seus reflexos na sociedade) dá-se através de uma contextualização sócio-histórica dos fenômenos. Percebe-se, portanto, que a ideologia dominante é um dos fatores que se inserem na cultura da mídia, para que seja mantido o pensamento da classe que está no poder.
Numa realidade em que a qualidade da informação é inversamente proporcional ao índice de audiência, o racional é superado, com certa freqüência, pelo conflito. Vislumbra-se uma realidade onde o discurso noticioso é substituído por um tipo de "discurso publicitário", homogeneizador de identidades, mercadológico, a-histórico e sem aprofundamento, portanto, desprovido de reflexão - onde os meios ficam impossibilitados de justificar os fins, o que, no mínimo, desvia a atenção dos assuntos realmente relevantes para as vidas dos receptores.
Através da globalização, a mídia torna-se, cada vez mais, "violenta" no sentido literal e figurado. A mídia é violenta. É violenta porque banaliza a informação; promove o pensamento rápido, miserável. Destarte, fomenta o medo, as incertezas, as inseguranças e, sobretudo, a informação pobre, acrítica, desnutrida de substancialidade.
Reinventar a sociedade passa pelo acesso de todos aos bens e mensagens; pelo direito de receber informações verdadeiras sobre os produtos e também pela participação democrática da sociedade civil em todos os setores que têm direito, sejam eles jurídicos, sociais, políticos, midiáticos e de consumo.
A possibilidade de uma reforma do Estado, no sentido de recuperar a sua força, requer portanto, uma maior participação dos cidadãos e um conseqüente ajuste do mercado com o objetivo de promover a inclusão social gerando, entre outros fatores, emprego à sociedade civil. Ser cidadão do século XXI passa intermitentemente por esse processo.
Frente a uma mídia atrelada a interesses que prejudicam a qualidade da informação, a Pedagogia Crítica da Mídia consiste em uma proposta de esclarecimento da realidade e, ao mesmo tempo, em uma retomada da cidadania. Somente assim (mais esclarecidos e refortalecidos), a sociedade civil terá mais condições de reivindicar por seus direitos de cidadania. No presente.
BOURDIEU, Pierre (1997). Sobre a Televisão. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
BUCCI, Eugênio (2003). "Mídia e Globalização". In: II Fórum Social Mundial (conferência). Porto Alegre.
GARCÍA CANCLINI, Néstor García (1995). Consumidores e Cidadãos. Conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro, UFRJ.
IANNI, Octavio (1995). A Sociedade global. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
KELLNER, Douglas (2001). A Cultura da Mídia. São Paulo, EDUSC.
1 Doutorando em Comunicação e Práticas Sócio-Políticas (Faculdade de Comunicação Social - PUC/RS). Mestre em Comunicação e Práticas Sócio-Políticas (Faculdade de Comunicação Social - PUC/RS). Especialista em Teorias do Jornalismo e Comunicação de Massa (Faculdade de Comunicação Social - PUC/RS). Jornalista e Publicitário (Universidade Católica de Pelotas - UCPel). Ministra as disciplinas de Pesquisa e Opinião Pública e Pesquisa em Comunicação Social (ECOS - UCPel) e é editor-chefe da Ecos Revista (ECOS - UCPel). E-mail: fabiocruz@vetorial.net.
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Revista teórica del Departamento de Ciencias de la Comunicación y de la Información
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Universidad de Playa Ancha
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