Revista F@ro Nº 6 - Monográfico

Os Sentidos da Mídia

Milton Pelegrini
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Departamento de Comunicação Jornalística
milton@pucsp.br [1]
Recibido: 10 de diciembre 2007
Aprobado: 20 de diciembre 2007
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Resumo:

Os avanços tecnológicos implementados nos aparatos midiáticos, sobretudo a partir do início do século XX, foram responsáveis pelo aumento da velocidade de sincronização social verificada no mundo. Assim, eles produziram impactos e desdobramentos nos grupos sociais fabricando consensos, novos mitos e conduziram populações inteiras rumo a futuros desenhados segundo interesses políticos e ideológicos da mídia hegemônica. Uma sincronização forçada com um mundo construído pela mídia. A informação jornalística em rede rege-se pelo caráter normativo do suporte, dentro do qual, espaço e tempo são meramente representações.

Palavras-chave:

Mídia Hegemônica – Cultura Midiática – Mídia e Sociedade

Resumen
Los avances tecnológicos implementados en los aparatos mediáticos, sobre todo a partir del inicio del siglo XX, fueron responsables del aumento de la velocidad de sincronización social verificada en el mundo. Así, ellos producirán impactos y desdoblamientos en los grupos sociales, fabricando consensos, nuevos mitos y conducirán poblaciones enteras rumbo a futuros diseños según intereses políticos e ideológicos de los medios hegemónicos. Una sincronización forzada por un mundo construido por los medios. La información periodística en red se rige por el carácter normativo del soporte, dentro del cual, espacio y tiempo son meramente representaciones.

Palabras claves:
Medios hegemónicos/ Cultura Mediática/ Medios y Sociedad.

Abstract

The implemented technological advances in the media “apparatus”, over all from the beginning of century XX, had been responsible for the increase of the speed of verified social synchronization in the world. Thus, they had produced impacts and c in the social groups manufacturing consensuses, new myths and had lead entire populations route the futures drawn according to ideological and politicians interests of the hegemonic media. A forced synchronization with a world constructed for the media. The journalistic information in Net is conducted for the normative character of the support, inside of which, space and time are mere representations.

Keywords:

Hegemonic Media – Mediatic Culture – Media and Society

 

Não importa a este artigo dedicar tempo e espaço para investigar a natureza e a direção dos fluxos informativos nos canais de comunicação, uma vez que a Teoria da Matemática da Informação não pode ser entendida como uma teoria dos suportes para se compreender o fenômeno da “recepção”. Em seu sentido teórico-matemático ela considera a informação como unidades que precisam de um invólucro, menos o ruído e descarta o pressuposto fundamental para o conceito de comunicação, que é a necessidade de existência de pelo menos um ser humano produtor e outro ser humano (o mesmo) como receptor. Exatamente por isso, pelo entendimento de que torna-se necessário a compreensão dos desdobramentos culturais, os impactos sociais e as transformações estruturais das sociedades, que as atividades geradoras de informação, sobretudo a de natureza jornalística merecem uma reflexão mais apurada. E para tanto é preciso retomar o viés da evolução tecnológica para identificar a relação entre aceleração dos fluxos informativos, o aumento da capacidade de sincronização social e seus impactos.

O termo “guerra de audiência”, adotado a partir da segunda metade do século XX, pode ser compreendido como disputa pelo controle da capacidade de sincronizar. Assim entendido, a “guerra de audiência” é, ao mesmo tempo, uma “guerra de emissão”, e aqui nasce a versão eletroeletrônica da sua natureza publicitária e propagandística, como definiu Vieira Pinto. É no contexto do reflorescimento econômico do Pós-Guerra que a informação se transforma em mercadoria e a partir dele se lançam as bases para o surgimento de uma Sociedade da Informação. Os mecanismos de produção, de controle e de transmissão informativos se alteram e ganham novas dimensões com os novos atributos de materiais e métodos tecnológicos. Mudam-se os modos de produção.

A tecnologia eletroeletrônica permitiu atomizar ainda mais a audiência. Da produção em massa o mundo das emissões disputa o consumo em massa. Este não é um fenômeno recente. Ortega y Gasset desenha um quadro sobre a necessidade informativa de sincronização midiática que já estava presente entre os europeus em meados de 1930:

Aqui é onde os meios atuais de comunicação produzem seus efeitos; desde logo, daninhos. Porque a quantidade de notícias que constantemente recebe um povo sobre o que sucede em outro é enorme. Como será fácil persuadir ao homem inglês de que não está informado sobre o fenômeno histórico que é a guerra civil espanhola ou outra emergência análoga? Sabe que os jornais ingleses gastam somas fortíssimas em sustentar correspondentes dentro de todos os países. Sabe que, ainda que entre esses correspondentes não poucos exercem seu ofício de maneira apaixonada e partidista, há muitos outros cuja imparcialidade é inquestionável e cuja exatidão em transmitir dados exatos não é fácil de superar. Tudo isto é verdade, e porque o é, é perigoso. Pois é o caso que se o homem inglês rememora num lance d’olhos encontrará que aconteceram no mundo coisas de grave importância para a Inglaterra, e que a surpreenderam. Como na história nada de algum relevo acontece de repente, não seria excessiva suspicácia no homem inglês admitir a hipótese de que está muito menos informado do que supõe crer, ou que essa informação tão copiosa se compõe de dados externos, sem fina perspectiva, entre os quais escapole o mais autenticamente real da realidade. O exemplo mais claro disto, por suas formidáveis dimensões, é o fato gigantesco que serviu a este artigo de ponto de partida: o fracasso do pacifismo inglês, de vinte anos de política internacional inglesa. Dito fracasso declara estrondosamente que o povo inglês – apesar de seus inúmeros correspondentes – sabia pouco do que realmente estava acontecendo nos demais povos. (ORTEGA y GASSET: 2002, p.99)

Estar bem informado sobre outras culturas pode ser entendido como estar em sincronia com outras culturas, que possuem e mantém códigos diferentes. Até então a velocidade não estava envolvida como premissa básica da comunicação midiática, fato que ganha importância vital após a revolução eletroeletrônica que impulsionou os meios de comunicação do Pós-Guerra. Parte dos impactos sociais causados pela criação do consumo de massa foram apontados por Günther Anders que estabeleceu uma lógica de entendimento peculiar:

Assim como o provérbio alemão sentencia Mensch ist was er isst, “o homem é aquilo que come” (em uma percepção não-materialista), é por meio do consumo das mercadorias de massa que os homens da massa são produzidos. Isto implica que o consumidor do produto de massa torna-se, por meio de seu consumo, um dos operários contribuindo para sua própria transformação em um homem da massa. Em outras palavras, consumo e produção coincidem. Se o consumo é “disseminado”, então também o é a produção do homem da massa. E esta produção ocorre cada vez que o consumo ocorrer – em frente de cada rádio, em frente de cada aparelho de televisão. (ANDERS: 1957)

A informação jornalística é, como foi visto, uma mercadoria disponível para a massa consumidora. A diferença entre este conceito em 1950 e hoje está na velocidade da produção e do consumo propiciado pela Internet. Invariavelmente quase a totalidade dos veículos de comunicação de massa mantém produtos informativos (se não uma versão eletrônica integral) eletrônicos baseados em suportes digitais, com a finalidade de atender uma demanda sempre crescente de consumidores. Uma escalada de produção que reivindica para si uma lógica específica, como a classificada por Nalu Fernandes, dentro da qual “o mais é menos, e o muito é excessivamente dispensável”.

A dimensão temporal que se exige para seguir adiante nesta reflexão continua sendo de “presentificar” o futuro, a mesma do principal projeto ocidental no esforço desesperado de anulação do tempo e do espaço. Vicente Romano entende que parte deste projeto se cumpre, ao considerar que, com o surgimento das Tecnologias de Informação e de Comunicação mais recentes, o futuro parece dissolver-se no presente. Isto gera, segundo afirma, uma desconfiança no futuro, fato que implica em mudanças significativas para a compreensão subjetiva da realidade, pois, pelo vetor da velocidade, “acentuar o tempo instantâneo significa dessincronizar as pautas espaço-temporais dos indivíduos”.

Pode-se subentender que da aceleração promovida pelos meios eletrificados de comunicação resultem mudanças significativas da compreensão da realidade. Suas raízes podem estar nas próprias condições técnicas que as tecnologias impuseram ao produto informativo jornalístico, desde a adoção do telégrafo, como explica Marina Quevedo:

Dentre as várias explicações para o surgimento do lead no Jornalismo, uma delas é a Guerra da Secessão nos Estados Unidos. Os correspondentes que se encontravam no campo de batalha usavam o telégrafo para passar suas notícias, e como de costume na profissão de jornalista, o tempo é sempre curto, a rapidez é sempre um objetivo. Eles então passaram a buscar “o essencial” das informações que coletavam e a passar em textos curtos, rápidos e sintéticos às redações dos jornais para os quais faziam correspondência, antes que o colega do outro jornal. Além da concorrência, havia também as necessidades do próprio sistema telegráfico em atender a toda a demanda de serviços, e não apenas aos jornalistas. Era preciso, portanto, ser rápido, uma vez que cada jornalista podia ditar apenas um parágrafo de informação, o mais importante, ao operador do telégrafo. Opiniões pessoais e detalhamentos foram sendo suprimidos, dando-se então forma a uma técnica para escrever a notícia. É de se imaginar o grau de responsabilidade que cabia a estes profissionais, uma vez que num campo de batalhas muitos podem ser os acontecimentos importantes, num mesmo momento. O tratamento técnico dado ao noticiário acabou tirando do centro das atenções o ser humano nas rotinas das empresas de comunicação, e mais uma vez a política, a estratégia e a economia tomaram esse lugar. (QUEVEDO: 2004, p.30)

A perda direta de qualidade informativa em razão da velocidade também foi objeto de reflexão de Leão Serva:

Um procedimento essencial ao Jornalismo que necessariamente induz à incompreensão dos fatos que narra é a redução das notícias a paradigmas que lhe são alheios, mas que permitem um certo nível imediato de compreensão pelo autor ou por aquele que ele supõe ser seu leitor. Através desse procedimento, noticiários confusos aparecerão simplificados para o leitor, reduzindo conseqüentemente sua capacidade real de compreensão da totalidade do significado da notícia. (SERVA: 2001)

Apesar dos impactos causados pelas imposições tecnológicas à informação no que se refere à produção em massa, interessa examinar seus desdobramentos decorrentes das operações de sincronia temporal nas audiências, na formatação propagandística para a implantação de projetos políticos, padronização de conceitos inerentes a determinadas culturas, como são os casos das filosofias, das teologias, das economias entre outros. Em outras palavras, significa estabelecer um contrato social por meio da disseminação e unificação dessas questões de modo midiático. Isso implica em perdas, e quanto maior é a capacidade de produção, de emissão e de transmissão de informação, cresce em escala correspondente a desinformação. “Quanto mais luz, mais sombra”, lembra Norval Baitello Jr. Visto sob este prisma, os veículos de comunicação em tempo real cumprem muito mais a tarefa de servirem como biombos em vez de janelas para o mundo.

Um homem que quer estar “antenado”, para saber o que está acontecendo do lado de fora, deve ir para casa, onde os acontecimentos estão esperando por ele, como água pronta para sair da torneira. Se ele ficar fora de casa, no caos da realidade, como ele poderia distinguir qualquer coisa “real” mais do que de significado local? Somente depois que ele fechou a porta atrás de si, o mundo externo se torna visível a ele; somente depois de termos nos transformado em mônadas sem janelas o universo reflete-se em nós. (ANDERS: 1957)
Novamente os termos sinônimos surgidos a partir da tecnologia eletroeletrônica falam por si mesmos: “antenado”, “ligado”, “informado”, também significam estar “sincronizado” com o mundo da mídia, e não mais com o mundo do homem. Ainda que o primeiro decorra do segundo é preciso considerar que como conseqüência da aceleração progressiva dos media digitais observa-se um tipo de sincronia diferente, que acaba envolvendo os sistemas de mediação. Para observá-lo basta notar o noticiário jornalístico e o volume de notícias iguais, com as mesmas imagens, as mesmas falas, os mesmos cenários, o mesmo foco jornalístico, a mesma repercussão, sobretudo em acontecimentos internacionais. Quando isso ocorre, além das sociedades, a mídia sincroniza-se com ela mesma gerando o fenômeno da autoreferência que acaba contaminando todo o conteúdo informativo, dando a ele um significado padronizado, não mais servindo como meio, mas como fim. Assim, a realidade passa a ser apenas midiática, os fatos já não são tão importantes quanto as imagens que eles geram. O mundo deixa ser um mundo vivido e se transforma, magicamente, em um mundo imaginado, isto é, gerado por imagens. Imagens são superfícies, podem não criar vínculos, principalmente, se são representações absorvidas midiaticamente, ou seja, quando a tradução do real se impõe e passa a ser, ela mesma, a única realidade possível. Apenas como um exemplo referencial é possível perceber o esforço de padronização conceitual no tratamento jornalístico no Ocidente dado ao tema “terrorismo”. Sincronização social significa, também, criar um entendimento coletivo sobre o modo como os fatos devem ser observados.

A segunda consideração necessária para se refletir é o fenômeno da eliminação do tempo, seja pelo viés de sua progressiva aceleração, quando medido pelas máquinas (que já atinge níveis não humanos de percepção), seja pela transformação do tempo percebido (subjetivo) em uma “imagem” simbólica que representa, hoje, o tempo coletivo do planeta, gerado pela mídia.

Toda cultura é gerada a partir de observações muito específicas dos fenômenos naturais, criando mitos e deixando-se gerar por eles, ou a partir deles construir seus vínculos que se transformam em histórias passadas, validam as relações do presente, projetam o futuro que representará o esforço da história passada e presente, enfim, geram temporalidades. Vicente Romano demonstra, a partir de uma breve classificação binária dos tempos inscrita culturalmente, uma ordem natural e uma ordem natural do tempo e a força de seu poder de vinculação social. Tempo masculino e tempo feminino, tempo público e tempo privado, tempo mercantilizado, tempo biológico, tempo sociológico, tempo matemático ou tempo medido e tempo midiatizado perfazem a construção coletiva do cotidiano. Eles formam uma matriz geral e é preciso considerar que cada um deles se subdivide em tempos diferentes para faixas etárias diferentes, por exemplo, tornando-se complexo a ponto de gerar tantas variáveis que uma tornariam inútil qualquer classificação.

Quando os sistemas de mediação eletrificados permitem acelerar as temporalidades dos grupos sociais, ou seja, sincronizam, estabelecem um padrão de entendimento comum para todas as realidades - mesmo àquelas que nunca farão parte do cotidiano (a não ser como imagem), eles constroem a imagem de uma realidade que representa todos, mas que, no fundo, não é de ninguém. Realidades que foram interpretadas à luz de interesses que formam o projeto político do Ocidente, qual seja, a da transformação de países em mercados (produtores e consumidores) e da unificação cultural (dentro dela a exclusão dos vários matizes religiosos, do uso de três ou quatro idiomas oficiais para esses mercados e a antecipação do futuro pelo estabelecimento da fé irrestrita nos avanços tecnológicos em todos os níveis da atividade humana),

O papel da mídia, especialmente pelo caráter informativo dos noticiários, é fundamental para a implantação dos itens que compõem tal projeto. A velocidade de sua transmissão é a fiel depositária de sua garantia de credibilidade, e a aceleração transforma-se no motor das realidades midiatizadas em redes de transmissão e de recepção. São técnicas de anulação do tempo. O tempo deixa de ser compreendido como “em trânsito”, como os sentidos humanos o percebem. Isso resulta na compreensão de que o tempo coletivo - sincronizado pela mídia eletrificada - possui uma característica mítica, também não vivenciável pelos sentidos. Nesse sentido, Henri Bergson considera que a “metafísica foi levada a procurar a realidade das coisas acima do tempo, além do que se move, do que muda, conseqüentemente, fora daquilo que nossos sentidos e nossa consciência percebem”. (BERGSON: 1989, p. 224~225)

Assim, portanto, as informações transmitidas em rede parecem ter saído de um território onde o espaço, o tempo e a abstração míticos permanecem presentes também nos textos produzidos, armazenados e/ou transmitidos em suportes eletroeletrônicos que ajudam a construir esse tecido simbólico ordenador e sincronizador. Ernst Cassirer, em sua teoria das formas do mito, publicada em “Filosofia de las formas simbólicas”, traz um aporte consistente para essa afirmação:

...parece estar fora de dúvida que o espaço mitológico está estreitamente relacionado ao espaço da percepção como oposição, de outro lado, do espaço intelectivo da geometria... o mito desconhece esse tipo de “objetividade” que se expressa no conceito físico-matemático, esse “tempo absoluto” de Newton que “flui em si e por si sem referência a nenhum objeto exterior”. Desconhece tanto este tempo físico-matemático como um tempo “histórico” em sentido estrito... A divisão do tempo em etapas claramente diferenciadas, passado, presente e futuro, aqui não se conserva intacta senão pelo fato que a consciência cede a inclusão e tentação de apagar as diferenças até o ponto de trocá-las em pura identidade. A magia, em especial, se caracteriza por transladar também do espaço ao tempo seu princípio geral de pars prot toto. O “agora” mágico de modo algum é um mero agora, não de um simples e isolado momento presente senão que, para empregar a expressão de Leibniz, está “charge du passe et gros de lávenir”, entranha o passado e está grávido do futuro. (CASSIRER: 1998, p.148)

A confecção dos noticiários produzidos e distribuídos em redes parece corresponder ao princípio mágico formulado por Cassirer. A informação jornalística em rede rege-se pelo caráter normativo do suporte, dentro do qual, espaço e tempo são meramente representações. O ambiente digital corresponde a uma abstração de natureza matemática, fato que permite imaginá-los como os mesmos que construíram os cenários arquetípicos ou utópicos onde eles (tempo e espaço) não correspondem ao universo humano. A informação, presa a esse tipo de atemporalidade, passa a se constituir em texto mítico de onde a mídia eletrificada retira sua força simbólica de sincronização social. Então, o conceito de realidade acaba por se formar pelo conjunto de informações disponíveis na base de dados, permitindo que se resulte daí a necessidade avassaladora de produção de novas informações, em ciclos cada vez menores para torná-las parte de uma “realidade de massa” para consumidores em massa.

Nesse sentido é possível supor que essas informações armazenadas em ambiente digital se constituam, cada vez mais, em pauta definidora de uma realidade construída midiaticamente, ecoada por serviços noticiosos online, pelos telejornais, radiojornais, jornais e revistas impressos. Sincronizados entre si, esses veículos contribuem decisivamente para a sincronização coletiva. Velocidade e anulação do tempo e do espaço são ingredientes da informação midiatizada por aparelhos informatizados. Adicionando-se um atributo de valor como “mercadoria”, constitui-se como notícia, então, a representação de um fato gerado por uma informação pré-existente ou construída a partir dela, retirando-se ou encobrindo-se, estrategicamente, seu caráter de mercadoria. A necessária natureza relacional entre dois seres humanos para toda e qualquer comunicação é substituída pela crença de que o processo comunicativo se realiza pela simples conexão do ser humano com o aparelho veiculador da notícia. É a mesma lógica atuante na crença de que um suporte simbólico religioso, por exemplo, garante a conexão com o mundo mítico.

A produção da notícia em massa para um consumo em massa, mesmo que este consumo esteja “atomizado” em micro audiências presas ao vídeo televisual dos computadores ou da televisão, oculta, de modo sistemático, a essência humana de sua produção. Cria-se um de mundo emissões sem emissores identificáveis, da mesma forma que uma mercadoria chega pronta ao mercado consumidor sem a relação humana incorporada em sua produção, como lembra Vieira Pinto:

...fazer crer que a relação do homem com o produto cessa no momento em que o objeto sai da fábrica, sendo entregue para o consumo, para ser adquirido por alguém desconhecido pelo verdadeiro criador. Parece desfazer-se, assim, o elo, na verdade sempre existente, entre um e outro, e o mercado toma a feição de um fato objetivo absoluto, materialmente indispensável, eterno, por conseguinte equiparado a um fenômeno da natureza, uma fatalidade a que todo homem, produtor ou consumidor, tem de curvar-se... ...Sendo o dado de informação uma mercadoria como outra qualquer, repete-se com ele o fenômeno inerente à estrutura do sistema econômico onde circula...” (VIEIRA PINTO: 2005, p.491)

Essa descrição das razões epistêmicas do ambiente informativo gerado pela e com a tecnologia eletroeletrônica tende a produzir o que Marina Quevedo chamou de “ciclope” da nova era, referindo-se ao “olhar perscrutador dos conglomerados de mídia”:

Na mitologia grega, Ciclope era um gigante com um olho só. Na era da informação, o gigante agora chamado mídia, exibe seu olho eletrônico, que, onipotente e onipresente, sequer dissimula a intenção de banalizar os fatos, em favor de uma lógica mercantilista e irracional que costure as relações humanas... ...O noticiário dos veículos de comunicação tem sido ditado por poucos grandes pólos geradores de informação (agências de notícias, conglomerados de mídia). O centro desse império não aparece claramente para quem pretende se informar, e esse controle sem limites e sem cara também favorece a criação de imagens da não notícia, reproduzidas instantaneamente em todas as partes do mundo”. (QUEVEDO: 2002)

Uma configuração que, segundo Kamper, dá invisibilidade ao poder que promove a visibilidade, uma vez que a “única observação perfeita é aquela que não pode ser, ela mesma observada”. Sendo assim, após as duas considerações necessárias à compreensão dos termos “informática” e “informação”, descritos aqui, pode-se entender um pouco melhor a banalização do seu uso como sinônimos e seu poder de permanecerem invisíveis e dissociados das imagens que eles mesmos geram.

Imagens produzidas para tornarem-se visíveis apenas como superfícies, como camadas sobrepostas de uma realidade pertencente apenas ao mundo nulo-dimensional dos ambientes magnéticos, mas que tem sido utilizada como referência constante para construir o quotidiano dos consumidores em massa. Por conta disso se torna demasiadamente necessária a lembrança de que a compreensão dos fenômenos naturais, desde sempre, tem sido uma tarefa dos sentidos, e a compreensão da existência humana tem sido, é e será sempre, um produto do homem, antes de ser um produto das máquinas, simplesmente.

Notas

[1] Milton Pelegrini é jornalista, doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor do Departamento de Comunicação Jornalística da PUC/S P. subir

 

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